Levou apenas três dias para a crise política e diplomática se instalar nos corredores da COP21, a Conferência do Clima, em Paris.
Por trás dela está a briga sobre quem deve pagar a fatura para ajudar países mais pobres a combater o aquecimento global no planeta.
O G77 + China, grupo de 135 nações em desenvolvimento, botou o presidente da conferência, o chanceler francês, Laurent Fabius, na parede: só assinará um acordo final que restrinja às nações ricas o dever financeiro de bancar a conta da crise do clima.
Citando a Convenção do Clima, de 1992, o grupo divulgou um comunicado afirmando que os países desenvolvidos têm a "obrigação" de fornecer recursos financeiros e tecnológicos aos mais pobres.
"Isso não é auxílio, nem caridade", diz carta assinada pela embaixadora sul-africana Nozipho Mxakato-Diseko, em nome do G77.
Alan Marques/Folhapress | ||
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O negociador dos EUA para o clima, Todd Stern; ele disse que a discussão financeira estava 'aberta' |
O grupo, do qual o Brasil faz parte, diz ainda que qualquer movimento diferente na COP21 será uma "violação" no processo de negociação e "ameaça" a busca por um consenso em Paris.
O antagonismo entre o G77 e os países mais ricos é antigo e marcou outras conferências do clima.
O pano de fundo do impasse desta vez é o rascunho do artigo 6º do acordo final da conferência, que deve ser assinado no dia 11. Há sugestões para todo gosto.
De acordo com os textos em debate, a conta pode ficar só para os ricos, incluir as economias em "transição" ou impor uma cartada mais genérica -a preferida das nações ricas e a atacada pelo G77- sugerindo que qualquer um capaz de dar sua contribuição deve fazê-la.
PAPEL DO BRASIL
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Esta última hipótese abriria caminho para cobrar países como Brasil, China e Índia, por exemplo.
Os chineses criaram o próprio fundo, de US$ 3 bilhões, para ajudar outros países, mas deixaram claro de que se tratava de algo voluntário.
A rebelião diplomática ocorreu logo após o negociador dos EUA em Paris, Todd Stern, dizer à imprensa que a discussão sobre o tema financeiro ainda estava "aberta" –em entrevista à Folha no início de novembro, ele defendera que os emergentes assumissem papel maior.
Pouco antes, a secretária-executiva da COP21, a costa-riquenha Christiana Figueres, disse que seria "bem-vinda" a contribuição de qualquer país para o financiamento.
O Brasil tem deixado claro que aceitará só regras de colaboração espontânea. "Colocamos esforços para cooperações voluntárias, e não sob qualquer obrigação", disse na terça (1º) o embaixador José Antônio Marcondes, negociador da comitiva brasileira.
Na conferência de 2009, em Copenhague, as nações ricas, lideradas pelos EUA, prometeram um fundo de US$ 100 bilhões anuais a partir de 2020 para ajudar os países em desenvolvimento.
Em tese, o dinheiro deve vir de projetos públicos e privados vinculados a governos.
São controversos os números sobre o que realmente já foi arrecadado.
As lideranças da COP21 tratam oficialmente com US$ 62 bilhões. Para alguns, é pouco perto da expectativa de US$ 100 bilhões anuais, mas, para outros, um valor positivo diante das dificuldades em torno do assunto.
O Banco Mundial, por exemplo, diz ter atingindo a capacidade de levantar US$ 29 bilhões por ano para o fundo, somando financiamento próprio e recursos públicos.
Diante deste cenário de incerteza pós-2020, os países desenvolvidos, sob a batuta dos EUA, começam a cobrar os demais a dividir a "conta do clima", mesmo que não seja pelo tal fundo de US$ 100 bilhões.
O risco de essa pressão se transformar em uma cláusula do acordo final da COP21 é o que preocupa os países em desenvolvimento.