Folha de S. Paulo


Separados por ditadura argentina, mãe e filho se reveem após 38 anos

Aos 38 anos, o argentino Mario Bravo conheceu sua mãe biológica nesta terça (1º).

Ele é o 119º neto recuperado pelas Avós da Praça de Maio, que busca os filhos, hoje adultos, de militantes políticos que desapareceram na última ditadura militar do país.

A mãe de Mario, Sara, está viva e tem 59 anos. É um caso raro encontrado pelas Avós, o sexto desde que esses filhos começaram a ser localizados, ainda nos anos 1980. A história da maior parte dos "netos" é que os seus pais foram mortos pela repressão.

Sara foi sequestrada em julho de 1975, meses antes do golpe militar que daria início à ditadura (1976 a 1983).

Ela ficou presa cerca de um ano e meio, em delegacias e depois na cadeia de Villa Urquiza, na província de Tucumán, onde engravidou e deu à luz um bebê entre maio e junho de 1976.

Segundo Sara contou às Avós, estava encapuzada na hora do parto e só pôde ouvir o choro da criança, entregue a outra família.

Martín Zabala/Xinhua
A líder das Avós da Praça de Maio, Estela de Carlotto, abraça Mario Bravo, que reencontrou sua mãe
A líder das Avós da Praça de Maio, Estela de Carlotto, abraça Mario Bravo, que reencontrou sua mãe

A mãe de Mario não participou da entrevista coletiva desta terça –segundo o filho, preferiu manter-se incógnita.

Líder das Avós, Estela de Carlotto descreveu o encontro de mãe e filho: "Foram longos minutos de um abraço contido por anos por um e por outro", disse. "Achei que não fossem se soltar mais."

Mario foi entregue ainda bebê a um casal sem filhos na província de Santa Fe. O pai adotivo morreu quando ele tinha 19 anos; a mãe, há quatro meses.

Em casos como o de Mario, os pais adotivos, quando vivos, são processados por apropriação de menores. Mario disse não ter mágoas do casal que o criou.

"Não tenho do que me arrepender daqui para trás. Não se pode passar a conta à sua própria família", afirmou.

EXAME DE DNA

O "neto reencontrado" também descreveu o que conversou com sua mãe biológica quando a encontrou:

"Ela me abraçou e me disse que falava comigo quando eu estava em sua barriga, que pensava em mim todos os meses, e chorou. Eu lhe disse que ela fez muito", contou.

Mais de três décadas desde a volta da democracia, o paradeiro dessas crianças, hoje adultos com idade ao redor de 40 anos, ainda move a sociedade argentina.

Mario diz que sempre desconfiou de que era adotado, mas ter filhos disparou nele a vontade de conhecer sua verdadeira identidade.

"As pessoas se sentem mais sensíveis quando se tornam pais. Isso me moveu", disse.

Em fevereiro deste ano, ele procurou as Avós e fez um exame de DNA, que batia com as amostras que Sara havia entregado à entidade em 2007.

A partir desta terça (1º), Mario tem seis irmãos -filhos de Sara- e 16 sobrinhos. Durante a entrevista coletiva, brincou que se tratava de despesa extra para o Natal.

"Tenho a sorte de ter encontrado minha mãe com vida, e isso é um milagre", disse. "É como ver sua vida em um filme preto e branco, e quando se encontra a mãe é emocionante."

POLÍTICA

Simpática ao governo de Cristina Kirchner, Carlotto disse que as Avós preparam um documento a ser entregue ao futuro presidente, Mauricio Macri, em que defendem que não haja retrocesso nas políticas que propõem "memória, verdade e justiça" para os crimes cometidos durante a ditadura.

Carlotto disse ainda que pedirá que Macri apresente sua política de direitos humanos. "Convidamos vários grupos políticos para apresentarem suas propostas [durante a campanha eleitoral] e eles não apareceram".


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