Folha de S. Paulo


Para 'secretário da Felicidade' do Equador, críticas são boa propaganda

Freddy Ehlers está atrasado. Como representante máximo da Secretaria do Buen Vivir (Viver Bem, em tradução livre), o ex-apresentador de TV de 69 anos perdeu a hora um dia após voltar dos EUA, onde promoveu a pasta criada em 2013 pelo presidente do Equador, Rafael Correa.

Para a espera não ser em vão, os assessores divulgam dois vídeos do órgão, chamado de "Secretaria da Felicidade" por equatorianos que o veem apenas como ferramenta de propaganda do governo de esquerda.

Leda Balbino/Folhapress
Secretario do Buen Vivir, Freddy Ehlers chega para entrevista no prédio da instituição, em Quito
Secretario do Buen Vivir, Freddy Ehlers chega para entrevista no prédio da instituição, em Quito

Muitos saíram às ruas neste ano para pedir a renúncia de Ehlers durante protestos contra o governo, que enfrenta a perspectiva de retração de 0,6% do PIB neste ano em meio a uma crise econômica.

Os vídeos tentam explicar o que é a secretaria. No primeiro, artistas cantam que o Buen Vivir "é ter sua família respirando com você", "é desfrutar do seu trabalho e poder se divertir". E aconselham: "Se cuidamos de nosso corpo, mente e alma, com certeza progrediremos e nunca nos faltará nada".

O segundo recorre a elogios de acadêmicos de instituições prestigiosas dos EUA e da Europa para tentar legitimar a iniciativa, que prega uma vida em harmonia com a natureza e repudia os conceitos de progresso e desenvolvimento "do capitalismo consumista".

Veja vídeo

Com seu indefectível chapéu panamenho e uma barba por fazer, Ehlers, que trabalhou por mais de 30 anos como jornalista, chega meia hora depois do esperado sob aplausos dos subordinados.

Modesto, subestima a saudação e se descreve como um homem simples, que compartilha da visão de mundo do austero ex-presidente uruguaio José Mujica (2010-2015) e do humilde papa Francisco."A encíclica sobre ambiente Laudato Si é 100% Buen Vivir", afirma. "Espero que o papa viva por muito tempo."

SUMAK KAWSAY

Ex-ministro do Turismo (2010-2013), o secretário foi escolhido por Correa para impulsionar o Sumak Kawsay (Viver Bem, em quéchua), conceito indígena introduzido na Constituição que entrou em vigor em 2008, um ano após a posse presidencial.

Para Ehlers, seu trabalho tem como objetivo mostrar que a felicidade é um processo interno, alcançada com meditação e ioga, e não no shopping. "No Brasil e no Equador, milhões saíram da pobreza e se tornaram consumistas. E querem tudo e querem mais", lamenta.

O marketing, diz, é o culpado pela ganância. "O demônio é o reitor de cada universidade de marketing do mundo", afirma.

A Secretaria do Buen Vivir conta com um pouco mais de US$ 12 milhões para serem gastos em quatro anos (2014-2017). Desse total, quase metade (US$ 5,833 milhões) se destina à comunicação e publicidade: a página da secretaria no YouTube lista 280 programas veiculados até agora.

O restante do dinheiro é distribuído entre gestão financeira, recursos humanos, consultoria, eventos e oficinas. As ações não se limitam ao Equador. Nos últimos dois anos, Ehlers visitou ao menos 11 países. "Viajamos para tentar engajar com as mesmas ideias todo o mundo", diz.

Mas, com a secretaria tendo como único resultado prático rótulos elaborados com o Ministério da Saúde que mimetizam semáforos com advertências de gordura, sal e açúcar nos alimentos, nem todos estão contentes.

Sob condição de anonimato, uma ex-funcionária relatou à Folha que renunciou por considerar desperdício receber um salário sem fazer nada como servidora pública. "Ehlers tem boas intenções, mas faz o que sempre fez: comunicação", afirma. "A única evidência de trabalho da Buen Vivir são os programas de TV", completa.

Críticas similares foram feitas pelo taxista Alonso Rojas, que acompanhava o trabalho jornalístico de Ehlers. "Mas agora ele apenas fica viajando... isso é que é viver bem", ironiza.

No entanto, o secretário não se abate com a má fama. Ele a descreve como resultado de uma campanha de mídia da oposição —que, porém, não deixa de ter seus pontos positivos.

"Os ataques acabaram sendo bons, porque todos estão falando da Secretaria do Buen Vivir e, antes, ninguém falava", comenta.

Então a má propaganda é boa propaganda? "É fantástica", responde, sem hesitar.

"Agora todas as universidades e escolas nos ligam, todos os dias dou palestras em vários lugares e temos convites para ir ao exterior."

A repórter LEDA BALBINO viajou como bolsista do International Reporting Project


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