Folha de S. Paulo


Muçulmanos reclamam de islamofobia e associação ao terror nos EUA

O taxista Khaled Mohamed, 49, pegou uma passageira em Manhattan que pediu que ele a levasse para Nova Jersey, aguardasse três horas e a trouxesse de volta. Enquanto a esperava, ele tirou um cochilo. Acordou com três viaturas de polícia o revistando.

"Não sou terrorista", reagiu. "O policial disse que tinha certeza disso, mas precisava checar todas as denúncias", lembra Mohamed.

Egípcio, residente em Nova York há 20 anos, o taxista orientou a mulher e os filhos a voltar para o país natal depois que crianças atiraram pedras neles em um parquinho. À época, após os atentados do 11 de Setembro, Mohamed decidiu ficar nos Estados Unidos para ganhar a vida. Hoje, teme voltar para o Egito, devido ao terrorismo em seu país.

Reprodução/Facebook/Marwi
Em rede social, Marwa Balkar disse que sua religião não a faz menos humana ou americana que Trump
Em rede social, Marwa Balkar disse que sua religião não a faz menos humana ou americana que Trump

Ele vive em um limbo, sem se sentir em casa em lugar nenhum. "Do fundo do coração, você não consegue esquecer o que fizeram com você."

Sempre depois de atentados como os de Paris, muçulmanos nos Estados Unidos temem uma escalada de agressões. Centros comunitários instruem os membros a evitar acessórios que identifiquem sua religião, como lenços e véus, para as mulheres, e barbas longas, para os homens.

Mas atos de ódio religioso recrudescem, ainda assim. Três dias depois dos ataques na capital francesa, uma mesquita próxima a Austin, no Texas, amanheceu com a entrada coberta de fezes e páginas rasgadas do Alcorão, segundo denunciou o Cair (Centro de Relações Americano-Islâmicas, na sigla em inglês).

SEM REVIDE

Nesses momentos, a comunidade muçulmana tende a se fechar. "A orientação é que não revidem, não respondam", diz o xeque Saad Jallah. Diretor do Centro Islâmico de Nova York, ele só começou a entrevista depois de a reportagem assinar um termo se comprometendo a não depreciar a instituição, que inclui a mesquita mais antiga da cidade.

Jallah acha que a difamação da religião acaba por propagandeá-la. "Quando a a rede CNN diz coisas ruins sobre o islã, as pessoas ficam curiosas. Porque, claro, não são estúpidas de confiar."

Apesar de representar 0,9% da população americana (ante 1,9% de judeus e 70,6% cristãos), segundo o instituto Pew, os muçulmanos são a comunidade que cresce mais rápido no mundo. "Acredito que os responsáveis por difundir o islã aqui são Alá, os canais de televisão e alguns colegas muçulmanos", diz o xeque.

Associar a religião ao terrorismo é um equívoco e faz parte de uma agenda obscura, em sua opinião. "Apesar do nome, o Estado Islâmico não é muçulmano", diz. "Se foi possível derrubar Saddam Hussein no Iraque, levaria um dia ou menos para acabar com o EI. Mas tem algo por trás."

"Se o chamamos de Daesh [o nome do EI em árabe], eles não gostam. Chamam a si mesmos de Isis [Estado Islâmico do Iraque e do Levante]. De onde tiraram esse nome? No Iraque se fala inglês? Na Síria, se fala inglês?", questiona o religioso.

EFEITO ELEITORAL

Na semana seguinte aos ataques em Paris, o debate sobre islamofobia se acirrou com a reação de políticos contra a entrada de refugiados muçulmanos nos EUA.

Pré-candidatos republicanos atacaram o plano de acolhimento do presidente Barack Obama e mais da metade dos governadores disse que barraria imigrantes em suas fronteiras.

A Câmara dos Deputados aprovou medida para dificultar a entrada de sírios nos EUA.

Muçulmanos nos EUA e na Europa começaram a pedir desculpas pelos atos de terror como vêm fazendo há anos. Mas, desta vez, uma onda de descolamento se criou com a campanha "Não em meu nome".

Depoimentos de muçulmanos se dissociando do terrorismo dominaram as redes sociais como o de Marwa Balkar, que disse que sua religião não a faz menos humana nem menos americana que Donald Trump, o pré-candidato republicano à Casa Branca que defendeu fechar mesquitas.

A ativista Linda Sarsour criticou a discriminação contra muçulmanos em evento, na quinta-feira (19), na Georgetown University, em Washington, DC. Há grupos religiosos massacrando pessoas em várias partes do mundo, ela observa, e não há a mesma cobrança contra as suas comunidades. "Então, deveriam pedir desculpas a mim por esperar que eu peça desculpas pela minha fé."


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