Folha de S. Paulo


Análise

Relação com Brasil domina agenda de presidente eleito da Argentina

A vitória de Mauricio Macri inaugura um período de transição nas relações internacionais do Brasil. A mudança de símbolo na Casa Rosada encerra o ciclo do kirchnerismo, principal laço internacional do PT em seus quatro mandatos.

Essa mudança pode gerar atritos novos entre os dois países. Ciente disso, Macri montou uma diplomacia de transição.

Na reta final da campanha, ele manifestou interesse em fazer do Brasil seu primeiro destino internacional. Recém-eleito, reiterou sua vontade de ter uma conversa pessoal com Dilma em Brasília antes de receber a faixa.

Raúl Ferrari - 24 nov. 2015/Xinhua
Presidente eleito da Argentina, Mauricio Macri dá entrevista após reunião com Cristina Kirchner
Presidente eleito da Argentina, Mauricio Macri dá entrevista após reunião com Cristina Kirchner

Em sua primeira coletiva à imprensa, o presidente eleito da Argentina chamou o Brasil de seu principal parceiro para o futuro. Esse tom foi reproduzido uma e outra vez durante os últimos dias.

Trata-se de um gesto bem calculado, por três motivos.

Primeiro, eventuais faíscas entre o novo governo argentino e o governo brasileiro teriam impacto negativo sobre o esforço de Macri para impedir que a crise econômica herdada de seus antecessores se transforme em debacle.

Não há país no mundo mais influente sobre a saúde econômica argentina que o Brasil. O novo presidente prefere operar com os canais de interlocução desobstruídos.

Segundo, a criação de um clima ameno junto ao governo Dilma é imperativo para Macri porque sua plataforma eleitoral prometeu mudanças na política externa argentina bem capazes de gerar atrito.

O eventual pedido do novo presidente de sanção à Venezuela por violações à cláusula democrática do Mercosul é apenas um exemplo.

Outros mais difíceis podem surgir, como a gestão do acordo automotivo entre ambos, que afeta em cheio a província de Córdoba, onde Macri obteve excedente de votos.

Terceiro, o presidente eleito não conta com a simpatia espontânea do Planalto e sabe disso. O governo brasileiro apoiou abertamente o candidato derrotado, Dilma demorou para telefonar para o candidato vitorioso e até o fim da semana não havia soltado nota oficial celebrando as eleições no país vizinho.

Macri responde estendendo a mão. Sua equipe quer evitar a ideia de que a América do Sul estaria se transformando num campo de batalha entre duas facções –uma à esquerda e outra à direita.

FARPAS

Há riscos claros que ameaçam sua estratégia. Na semana passada, por exemplo, sua vice-presidente eleita deixou escapar o comentário de que Dilma teria vencido o último pleito com uma campanha baseada no medo. Gestos assim complicam a equação.

A estratégia conta, porém, com o apoio tácito de boa parte do governo brasileiro.

Em seguida à sua vitória, os ministros da Agricultura e do Desenvolvimento fizeram manifestações positivas em público (os interesses comerciais do Brasil no segundo mandato de Dilma alinham-se em boa medida às intenções do novo governo argentino).

Além disso, opera a favor do bom entendimento a diplomacia profissional.

Macri nomeou uma ministra do Exterior com ampla experiência e excelente reputação: menos de duas horas depois, ela recebia o telefonema do chanceler brasileiro.

De ambas as partes, o esforço será para construir graus cada vez maiores de concertação entre dois presidentes que terão de conviver durante um bom tempo.

Se der certo, a diplomacia da transição de Macri permitirá a criação de um entendimento mínimo capaz de proteger o relacionamento entre os dois países das turbulências inescapáveis. Com sorte, eles ainda poderão impedir o recrudescimento dos velhos atritos que nem mesmo a sintonia entre petismo e kirchnerismo pôde superar.


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