Folha de S. Paulo


Cidade mais islâmica da França vive dias de desconfiança

Nenhum outro lugar parece tão confortável socialmente para os muçulmanos da França como Roubaix, na fronteira com a Bélgica. Ainda mais em tempos de atentados terroristas no país reivindicados em nome do islã e do consequente desgaste da religião na sociedade local.

Roubaix ostenta a fama de cidade mais muçulmana em um país no qual 63% da população vê o islã como incompatível com seus valores.

"Aqui é completamente diferente. Nós nos sentimos bem, em casa, vivemos em paz", diz Noureddine Bensalem, 43, argelino que há 20 anos mora na cidade.

A região também entrou no foco da investigação policial sobre os atentados que mataram 130 pessoas em Paris no dia 13 de novembro.

Viveu em Roubaix Mohammed Khoulaed, detido na semana passada sob a suspeita de fabricar os explosivos usados pelos terroristas.

Para fazer um trecho doméstico de dez minutos de trem entre Lille e Roubaix, a reportagem da Folha teve de apresentar o passaporte e responder a perguntas de um grupo de cinco policiais.

"Posso garantir que Roubaix é segura. O islã não pode significar violência por causa de dois, três homens que agem como animais", diz o comerciante Bensalem.

Estima-se que 7,5% da população da França seja adepta do islamismo, algo em torno de 4,7 milhões de pessoas. É a segunda maior religião do país, atrás do catolicismo.

Em Roubaix, o percentual dobra. Dos 95 mil moradores, ao menos 20 mil são muçulmanos —estudos extraoficiais apontam que chegariam a metade dos habitantes.

EM TODO LUGAR

Isso explica um pouco o fato de Roubaix ter seis mesquitas. Seus líderes têm optado pelo silêncio sob o argumento de que a mídia francesa e os políticos buscam estigmatizar o islamismo.

Sinais da religião e de sua cultura estão por toda parte em Roubaix. Das características de quem circula ali, como vestes e barbas, a estabelecimentos de comida típica.

Moradores contam que, sob um clima social mais amistoso do que em outras partes do país, mulheres se arriscam às vezes a descumprir a lei que proíbe, desde 2010, o uso nas ruas de véus que cubram o rosto, regra que acirrou as divergências entre lideranças religiosas e parte da sociedade.

A onda migratória de muçulmanos para Roubaix se deu sobretudo nos anos 60, quando milhares saíram de ex-colônias francesas na África para trabalhar na indústria têxtil que estimulou a economia local no século passado. Mas houve retração do setor nas décadas seguintes, fábricas fecharam, e Roubaix não se reergueu.

A cidade registra hoje desemprego de 35%, um dos piores índices da França, cuja média é de 10%. A criminalidade é de 84 ocorrências para cada 1.000 habitantes, acima dos padrões locais.

À procura de trabalho, por exemplo, está um filho de argelinos que leva nos documentos o nome de Alexandre.

Soa estranho neste contexto cultural, mas ele logo explica a tática: "Meus pais decidiram não me registrar com meu nome árabe para que isso facilitasse minha vida na França, sobretudo para conseguir emprego. Virei Alex".

Alexandre (ou Alex) não revela o nome árabe e diz que acaba de ser demitido de uma empresa de fechaduras. Reclama que ser muçulmano é um fator negativo na hora de concorrer a um posto no país.

"Roubaix é exceção, você está vendo todos circulando normalmente no centro. Mas é só dar um pulo a Bondues, cidade vizinha, para ver como somos marginalizados", diz o jovem. "Nos olham de maneira diferente na rua."


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