Folha de S. Paulo


Latifa Ibn Ziaten

Marroquina que perdeu filho prega integrar muçulmanos na França

Há três anos, Latifa Ibn Ziaten, 54, conta sua história em escolas, prisões e associações em periferias francesas. Em 2012, seu filho Imad, militar francês, foi a primeira das sete vítimas de Mohammed Merah, terrorista que se dizia da Al Qaeda e foi morto pela polícia. Latifa fez do luto sua arma contra a radicalização. Na quinta-feira (19), ela recebeu o prêmio da Fundação Jacques Chirac para a prevenção de conflitos.

Jacques Brinon - 19.nov.2015/Reuters
France's Latifa Ibn Ziaten reacts as she holds her award after she received the Prix de la Fondation Chirac award for her work to promote inter-religious dialogue during an award ceremony at the Quai Branly Museum in Paris, France, November 19, 2015. Latifa Ibn Ziaten is the mother of French soldier Imad ibn Ziaten who was slain by gunman Mohamed Merah. REUTERS/Jacques Brinon/Pool ORG XMIT: XPAR109
Latifa Ibn Ziaten agradece prêmio recebido em Paris no dia 19

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Vim morar na França aos 17 anos. Ao chegar aqui com meu marido [vinda do Marrocos], trabalhei muito. Fui faxineira, feirante. Com orgulho, por 20 anos fui cozinheira em escola pública. Fiz tudo para me integrar. A França me deu tudo. E eu dei tudo à França. Meus quatro filhos nasceram aqui, cresceram amando tanto esse país que se tornaram servidores.

Ficou um vazio imenso com a morte do meu filho, mas cada vez que falo da sua vida, cada vez que abro os olhos de um jovem, é uma maneira de mantê-lo vivo.

Quando vi seu corpo no necrotério, prometi que iria passar uma mensagem de paz.

Hoje, eu o perdoo [Mohamed Merah]. Com certeza, ele não recebeu da família o mesmo amor que dei para os meus filhos, o mesmo amor que recebi da minha avó quando fiquei órfã aos 9 anos.

Com certeza ele não aprendeu em casa a amar a França, a se sentir francês. Apesar de todo meu sofrimento, não quero viver com ódio.

Para essas moças e rapazes tentados pelo extremismo, Merah foi um herói. Por isso, nos meus encontros, começo falando do meu sofrimento, da morte do meu filho e do meu amor pela França. Ao final, muitos jovens choram e dizem: "Não sei por que estou chorando, senhora. Não sei por que a França não gosta de mim".

Em memória do meu filho, me dediquei a esse trabalho de conscientização. Sem isso, acho que não teria chegado até aqui. A associação Imad Ibn Ziaten é pequena, mas passo todas as semanas viajando pela França.

Essas 'cités' [grandes conjuntos habitacionais] são guetos. Esses jovens passam o dia inteiro nesse mundo à parte, nesse universo que nem parece pertencer à França. Eu digo para eles: "Vocês são franceses", mas eles não se sentem assim.

Na verdade, eles não se sentem como pertencentes a lugar nenhum. Não são franceses na França e nem são argelinos, marroquinos ou tunisianos na terra dos seus pais e avós. A República francesa abandonou esses jovens. A família abandonou esses jovens e grupos terroristas como o Daesh [Estado Islâmico] acabaram os encontrando.

Falo para as autoridades francesas que é preciso cuidar das pessoas mais frágeis desde a infância. Precisamos ter mais mistura social. Precisamos dar mais atenção a essa juventude. O trabalho tem que começar cedo porque aos 20 anos já é tarde, eles já viraram delinquentes.

Acredito que o fervor religioso não seja a principal motivação para ir para a Síria ou para o Iraque ou para atacar pessoas aqui. O Daesh promete tudo: dinheiro, fama, poder, mulheres. E essa juventude quer preencher um vazio, quer vingança contra algo que nem sabem o que é.

Meu filho morreu por causa desse ódio. E acho que mais intervenções militares podem acabar gerando ainda mais ódio. Sem amor ou compreensão nunca vamos vencer essa batalha.

Sou muçulmana, Imad era muçulmano, mas sempre disse a meus filhos que religião é algo individual que não deve criar desunião. Esses jihadistas dizem defender o islã, mas não entenderam nada.


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