Folha de S. Paulo


Peronismo deve se reorganizar após eleição presidencial na Argentina

Seja qual for o resultado da eleição deste domingo (22), uma coisa é certa: o peronismo, corrente política nacional-populista inaugurada pelo general Juan Domingo Perón (1895-1974) nos anos 1940, vive um momento de crise e cisão interna.

O candidato que o representa, Daniel Scioli, está atrás de Mauricio Macri nas pesquisas de intenção de voto. Os peronistas também foram derrotados nas principais vitrines políticas do país: a capital e a província de Buenos Aires, nas mãos da oposição.

David Fernández/Efe
O candidato governista Daniel Scioli faz seu discurso de campanha; peronismo deve se reorganizar
O candidato governista Daniel Scioli faz seu discurso de campanha; peronismo deve se reorganizar

Se as projeções se confirmarem, o peronismo ficará ao mesmo tempo fora da Presidência e do governo da província de Buenos Aires pela primeira vez desde 1987, quando ambos eram controlados pela União Radical Cívica.

Para o historiador Luiz Alberto Romero, a derrota do peronismo na província de Buenos Aires, região mais populosa do país, é, até agora, a principal mudança no mapa político da Argentina.

A província de Córdoba foi fiel à rebeldia e votou na oposição. Enquanto isso, a capital manteve seu antiperonismo e elegeu Horacio Rodríguez Larreta, aliado de Macri.

"A diferença agora é o voto da província de Buenos Aires, que sempre foi peronista. Scioli foi mal votado aí, mas não perdeu [ganhou por cerca de 400 mil votos]. Se perder neste domingo, esta será a principal particularidade da eleição deste ano e obrigará o peronismo a se reorganizar", resume.

Facção mais à esquerda e associada a grupos juvenis e de defesa dos direitos humanos, o kirchnerismo vem desinflando, enquanto o peronismo mais à direita, ligado aos sindicatos, se fortalece.

"Se Mauricio Macri for eleito, este grupo mais à direita vai se alinhar com ele. Se Scioli for o vencedor, ainda assim os kirchneristas perderão espaço, porque Scioli também está associado ao peronismo de direita", diz Romero.

Para estudiosos ouvidos pela Folha, a divisão —não inédita na história do peronismo, mas reforçada sob Cristina— causou o tropeço no primeiro turno e pode custar a eleição de Scioli.

O kirchnerismo não conseguiu criar uma alternativa própria para a sucessão de Cristina. Então, a presidente resolveu apostar em Scioli.

Outro peronista correu por fora, Sergio Massa, e obteve 5 milhões de votos no primeiro turno, dificultando o caminho de Scioli ao posicionar-se contra o kirchnerismo.

Massa já compete com outros peronistas críticos para liderar a reorganização do movimento. Dentre eles, os governadores José Manuel De La Sota (Córdoba) e Juan Manuel Urtubey (Salta).

Para o analista Pablo Stefanoni, o "racha" atual do peronismo ocorreu porque o kirchnernismo quis se aproximar do movimento setentista, identificado com a esquerda guerrilheira da época um pouco anterior à última ditadura militar (1976-83).

"Vai haver uma reorganização do peronismo, como houve em 1983, quando a União Cívica Radical venceu a eleição. Naquela época, optou-se por 'social-democratizar' o partido. Agora, o mais provável é que essa reorganização seja comandada pela ala mais à direita do partido."

"Há uma animosidade entre os dois peronismos como em 1970. Não creio que ocorra uma violência, mas o ambiente é parecido", acrescenta Luiz Alberto Romero.

Ele fez referência ao Massacre de Ezeiza, quando correntes peronistas se enfrentaram na chegada de Perón do exílio, em 1973. O confronto deixou 13 mortos.

Romero avalia que esse novo rumo do peronismo será definido pelos 11 governadores peronistas que foram eleitos. Depois do primeiro turno, muitos mantiveram seu apoio a Daniel Scioli.

Na campanha do segundo turno, porém, alguns deles se reuniram paralelamente com Macri e o receberam nas visitas do candidato opositor a seus feudos eleitorais.

Para o peronista Júlio Bárbaro, o peronismo ficou preso às províncias mais pobres do país. "Se Macri vencer, o peronismo terá chances de se reorganizar. Com Scioli, ficará atado à sua pior versão, do atraso e do retrocesso".

METAMORFOSE

Para o historiador Federico Finchelstein, é preciso esperar o resultado deste domingo para determinar como o peronismo se reorganizará.

"Quando o peronismo é governo, pretende ser o dono da palavra e dos desejos do país. Tende a considerar a oposição ilegítima por representar interesses externos. Já quando está na oposição, o governo é quem passa a não representar os interesses do país."

Sobre se uma possível derrota de Scioli causará um enxugamento do peronismo como um todo, Stefanoni responde com uma frase de Perón: "Os peronistas são como os gatos, quando parece que estamos brigando, é porque estamos nos reproduzindo."


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