Folha de S. Paulo


Repressores veem esperança de sair da prisão com fim da era Kirchner

No período kirchnerista, 622 pessoas foram condenadas por crimes de lesa-humanidade cometidos durante a última ditadura militar (1976-83), que deixou 20 mil mortos. Hoje, esses repressores, a maioria em idade avançada, cumprem pena em penitenciárias e hospitais militares por todo o país. Mais de cem morreram em cativeiro.

A perspectiva de que a oposição possa vencer a eleição neste domingo (22) acendeu suas esperanças de passarem os últimos anos ou meses de vida livres, o que revolta associações de familiares de vítimas de seus crimes.

Juan Mabromata - 5.mar.13/AFP
O ex-ditador argentino Jorge Rafael Videla em julgamento em 2013; ele morreu na prisão no mesmo ano
O ex-ditador argentino Jorge Rafael Videla em julgamento em 2013; ele morreu na prisão no mesmo ano

"Confiamos na mudança com o fim do kirchnerismo. Consideramos essas pessoas presos políticos deste governo, sua prisão não tem base jurídica. São homens que lutaram contra o terrorismo e o comunismo que ameaçava o Estado", disse à Folha Gerardo Palacios Hardy.

Hardy é vice-presidente da Justicia y Concordia, associação que reúne mais de 150 advogados que defendem repressores. Com representação em vários países da América Latina, a Justicia y Concordia pede anistia a militares condenados, interrupção de julgamentos em curso e o julgamento de juízes que tenham emitido sentença a repressores nos últimos anos.

Prestam assistência aos detentos e denunciam maus-tratos. "Precisamos refundar a Justiça, pois o que temos é uma Justiça assimétrica e persecutória, baseada em vingança política", diz Hardy.

Em reunião neste mês em Buenos Aires, membros da associação, com familiares de repressores, celebraram a possibilidade de uma derrota do governo. O secretário da associação, Carlos Bosch, celebrou "ventos de mudança".

Um dos principais nomes do grupo, o advogado Mariano Gradín, conhecido por puxar coro de apoio a repressores em salas de tribunal, assina a lista de intelectuais que apoiam o candidato opositor, Mauricio Macri.

Questionada sobre a inclusão de Gradín, a equipe de Macri respondeu que "não se responsabiliza por quem o apoia". A lista, porém, foi divulgada pelo candidato.

DIREITOS HUMANOS

Líderes de grupos de defesa dos direitos humanos vêm manifestando, nas últimas semanas, preocupação com um possível retrocesso nos julgamentos, caso Macri vença —ele lidera as pesquisas.

Estela de Carlotto, presidente da associação Avós da Praça de Maio, que busca filhos de militantes detidos ou mortos que foram sequestrados e entregues a outras famílias, disse que "está claro que alguns repressores vão recuperar a liberdade". "Macri pensa com o bolso e não quer olhar para trás."

Em seus discursos, o candidato evita o tema. Em declaração que causou polêmica, disse que acabaria com os "currais dos direitos humanos", referindo-se a privilégios a associações de vítimas que se alinharam ao governo.

Enquanto isso, estão na reta final os chamados "megacasos", processos abertos contra agentes e ex-militares que atuaram em conjunto.

O primeiro é relacionado a torturas e homicídios praticados na Esma (Escola de Mecânica da Armada), em que 59 repressores são acusados de 789 crimes.

O outro é o "caso Condor", no qual 18 pessoas respondem por associação ilícita e crimes no Chile, no Uruguai e na Argentina. Algumas condenações já foram emitidas.

"Não vamos desacelerar, independentemente de quem ganhe a eleição. Vamos levar esse caso até o fim", diz à Folha o promotor do caso Condor, Pablo Ouviña.

A política de direitos humanos argentina tem idas e vindas. Quando o país se redemocratizou, em 1983,houve julgamentos de repressores e de guerrilheiros. O presidente Raúl Alfonsín, porém, promulgou as leis de Ponto Final e Obediência Devida, que indultavam quem participou da repressão porque estava sob ordens de seus superiores.

Nos anos 1990, Carlos Menem distribuiu mais indultos, liberando inclusive cabeças do regime, como Emilio Massera e Jorge Rafael Videla.

Em 2003, ao assumir, Néstor Kirchner retomou os julgamentos, política mantida por sua sucessora, Cristina Kirchner. Videla voltou à cadeia, onde morreu, em 2013, cumprindo prisão perpétua


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