Folha de S. Paulo


Europa tem desafio de conter escalada da radicalização on-line

Uma semana depois do massacre em Paris, governos europeus têm anunciado o incremento de suas medidas de segurança. Mesquitas, fronteiras e chamadas telefônicas estão sob escrutínio.

Mas a radicalização de jovens, como aqueles que viajaram à Síria para lutar ou que se envolveram nos atentados recentes, acontece hoje em um espaço no qual as autoridades ainda não conseguem se impor: a internet.

Mapa dos locais do atentados em Paris

"No mundo real, é mais fácil prevenir", afirma à Folha Bilal Benyaich, pesquisador belga especializado em extremismo. O desafio no combate à radicalização é, diz, identificar essas estruturas on-line e enfrentá-las ali.

O debate em torno das mesquitas é um exemplo do que Benyaich sugere. As vertentes radicais do islã são pregadas em uma minoria desses locais de culto, mas têm forte presença na rede.

"A interpretação radical do islã é desproporcional na internet. É um desafio para os moderados, que precisam desafiar o radicalismo ali", diz. "Há redes locais que coletam fundos, e a maior parte do planejamento da viagem à Síria é feita on-line."

Analistas como Benyaich sugerem que governos se envolvam na contranarrativa virtual, apoiando organizações moderadas na produção de seus próprios sites e locais de diálogo, na internet.

PERIFERIA

Mas o combate ao extremismo também passa pelas comunidades periféricas. Diversos dos terroristas envolvidos nos atentados recentes estavam conectados, por exemplo, à região de Molenbeek, subúrbio de Bruxelas.

Ali, a reportagem da Folha ouviu de diversos moradores —não apenas muçulmanos— que o abandono por parte do governo é um ingrediente fundamental na radicalização de jovens locais.

"O governo esqueceu-se de Molenbeek", diz um comerciante que prefere não se identificar.

"Para os extremistas, é fácil recrutá-los. Esses jovens são vítimas", diz.

Após operações policiais no bairro, o estudante de medicina Alexander Kobbai, 22, participava ali de uma vigília pela paz.

"As pessoas só falam de Molenbeek quando há violência, mas nunca se lembram da diversidade dos subúrbios", diz. Ele nasceu no bairro. "O governo não oferece educação, e extremistas se aproveitam disso."

O premiê belga propôs na quinta (19), entre outras medidas, o controle de mesquitas que atuem ilegalmente. Na sequência de ataques como o de Paris, esses espaços costumam ficar embaixo dos holofotes, como principais suspeitos da radicalização.

Mas o imã (líder religioso) Adnan Feroz, de uma mesquita paquistanesa local, afirma que as autoridades também têm a sua parcela de culpa no processo.

"Após o ataque, o governo afirmou que vai 'limpar' Molenbeek. Esse tipo de discurso é que coloca ódio na cabeça dos jovens."

SHARIA À BÉLGICA

Esse ódio, por sua vez, é manipulado por organizações extremistas. No caso da Bélgica, o protagonismo é sem dúvida do Sharia à Bélgica, grupo radical recentemente desmontado. Sua liderança foi condenada em fevereiro deste ano em um mega-julgamento na Antuérpia.

Foi o Sharia à Bélgica, por exemplo, que recrutou Brian de Mulder. Filho de uma brasileira, Mulder viajou à Síria, onde recentemente morreu como uma figura de destaque no Estado Islâmico. Ele era conhecido, em árabe, como "Abu Qassem Brasileiro".

"Sharia à Bélgica foi uma incubadora de radicais", disse à reportagem Pieter Van Ostaeyen, especialista no extremismo belga.

"Muitas pessoas não estavam afiliadas a eles, mas foram à Síria após ouvir sua mensagem. Foi também um catalisador."

Apesar de ser conhecida pelas autoridades belgas, essa organização terrorista operou no país por anos —incluindo uma outrora influente, e agora desativada, página dentro da internet.


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