Folha de S. Paulo


Opositor fala em união e fim de conflitos em nova etapa da Argentina

Mariana Carneiro/Folhapress
Candidato a presidente da Argentina, Mauricio Macri participa de campanha na província de Jujuy
Candidato a presidente da Argentina, Mauricio Macri participa de campanha na província de Jujuy

Fechando sua campanha em comício no monumento aos Heróis da Independência, em Humahuaca, na província de Jujuy (no norte do país), o candidato opositor Mauricio Macri defendeu a união dos argentinos em uma etapa diferente do conflito que caracterizou a era kirchnerista.

"Já estivemos muito tempo enfrentados, precisamos construir pontes, trabalhar juntos. Acabou o tempo das bandeiras de cada lado, agora vamos todos juntos a trabalhar pela Argentina que sonhamos", discursou.

O político repetiu o bordão "sim, se pode" característico de seus discursos, em que defende a mudança na política argentina.

"Podemos viver em uma Argentina com pobreza zero e onde todos podemos aspirar ter uma casa própria, com esgoto e água encanada, de estarmos orgulhosos com a qualidade da educação pública que recebemos", afirmou.

Ele não poupou alfinetadas à presidente Cristina Kirchner, dizendo a nova etapa que se aproxima, se ele vencer a eleição do próximo domingo (22), será de mais escutar do que falar.

"Não briguemos, não discutamos, que preservemos essa energia para construir essa Argentina que sonhamos", afirmou.

Macri adiantou que, se eleito, vai rever contratos firmados pelo governo Kirchner.

"Manifestei ao governo chinês nossa preocupação e incômodo, porque estão assinando contratos relevantes com um governo que termina, que envolve anos adiante e temas estratégicos, como a energia nuclear", afirmou.

Segundo Macri, todos os contratos serão revistos. "Vamos revisar tudo."

RESISTÊNCIA PERONISTA

A poucas quadras do gradioso evento de Macri, no monumento que fica no alto de uma ladeira, um grupo de eleitores simpáticos ao candidato da situação, Daniel Scioli, escreviam cartazes e cantaram o hino nacional.

"Nos reunimos de maneira espontânea, para destacar os ganhos que tivemos nos últimos 12 anos deste governo", disse o estudante Andrés Cruzzi. "Somos de Humahuaca, muito mais do que os que estão aí com Macri".

Militantes de Scioli e do candidato da oposição se estranharam, mas não houve agressão. Os macristas esticaram uma grande bandeira amarela na praça onde estavam reunidos os peronistas.

"Disseram que somos violentos, estou aqui com minha família. Tentaram nos provocar mas não vamos responder dessa maneira, vamos responder com a nossa memória, de como estava o país em 2001 e como estamos agora", discursou o músico Apu Condori, em um microfone instalado na praça que virou reduto dos peronistas da pequena Humahuaca.

Nos cartazes, provocações contra Macri. "É a nova cara da invasão", dizia um deles com um desenho de Macri e um chapéu com a bandeira dos EUA.

FIM DE CAMPANHA

A dois dias da eleição presidencial na Argentina, Mauricio Macri está confiante de sua vitória no próximo domingo (22). Ele encerrou sua campanha com o evento na província de Jujuy.

Em conversa com jornalistas argentinos e estrangeiros na cidade de Huacalera, a 100 km da capital da província, Macri disse antever problemas na área econômica, se eleito, e afirmou que seu titular na Economia terá perfil desenvolvimentista —o oposto da imagem de liberal que o governo tenta lhe atribuir.

"Vamos encontrar o país em enorme desordem. Não sabemos a realidade econômica na Argentina, porque o nível de mentira deste governo faz com que não saibamos exatamente qual é o valor do dólar, do PIB industrial e da pobreza", disse Macri.

"Não vamos ter mais um modelo de Axel Kicillof [atual ministro de Cristina Kirchner] ou Domingo Cavallo [superministro de Carlos Menem (1989-1999)]. O ministro da Economia terá o mesmo peso que os de Infraestrutura, Energia, Produção e Agricultura", acrescentou Macri.

As pesquisas de intenção de voto a que tiveram acesso assessores do candidato na noite desta quarta (18) mostram o opositor com 8 a 16 pontos à frente do candidato da situação, Daniel Scioli.

Para o último dia de sua campanha, nesta quinta, Macri optou pelo inusual. Em vez dos grandes colégios eleitorais do país, como Buenos Aires, fez um comício na diminuta cidade de Humahuaca.

A cidade de casas baixas, com tijolos de adobe e ruas de terra, tem pouco mais de 8.000 habitantes. Está mais próxima da influência cultural (e étnica) da Bolívia que da abastada Buenos Aires.

Há uma grande simbologia na escolha. Na votação local, em 25 de outubro, o peronismo (corrente política do rival de Macri) sofreu a primeira derrota desde a redemocratização do país, em 1983. O eleito, Gerardo Morales, conseguiu superar também uma estrutura de Estado paralelo montada pelo kirchnerismo em Jujuy, sob a liderança de Milagro Salas, líder da agremiação Tupac Amaru.

"A violência e a prepotência perderam", disse Morales, referindo-se a Salas e a crimes políticos na província, onde um militante da oposição morreu baleado em agosto.

Na região mais pobre da Argentina, Macri prometeu um plano de infraestrutura de US$ 16 bilhões e um programa de "pobreza zero" que demandaria US$ 5 bilhões.

Na passagem por Huacalera, o opositor participou de um ritual a Pachamama (Mãe Terra) no ponto onde passa o trópico de Capricórnio. Mascou folha de coca e tomou um fermentado de milho andino. "Pedi sabedoria e fortaleza para conduzir o povo argentino pelo bom caminho."

TROCA DE FARPAS

No último dia de campanha eleitoral, segundo a lei argentina, Macri não poupou críticas ao adversário. "Vejo Scioli mal, radicalizando na mentira. Tentou demonstrar que era diferente do kirchnerismo e, ao final, é exatamente o mesmo. Mentir, mentir, mentir para que algo fique."

Sobre um eventual governo, Macri negou a acusação do adversário, que afirma que ele fará um forte ajuste econômico. "Estamos ajustados há quatro anos, com a economia congelada", retrucou.

Scioli, por sua vez, iniciou o dia com um ato em Mar del Plata antes de rumar para La Matanza, na região metropolitana de Buenos Aires, onde encerraria sua campanha com ato na quinta à noite.

No discurso em Mar del Plata, o governista voltou a reforçar a diferença entre sua proposta "popular" e a de Macri, que acusa ser a do "retorno do neoliberalismo".

"Nesta eleição se vota entre um arrogante do Barrio Parque [zona nobre de Buenos Aires] e um trabalhador do povo, como vocês", declarou Scioli, que voltou a mencionar o papa Francisco e afirmou que existem "dois caminhos possíveis, o da inclusão e o da exclusão".

A jornalista MARIANA CARNEIRO viajou a convite da campanha de Mauricio Macri


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