Folha de S. Paulo


Rússia já considera o uso de tropas terrestres em território da Síria

Com ou sem cooperação com o Ocidente, a Rússia decidiu ampliar sua intervenção na Síria e já considera o uso de tropas terrestres.

O objetivo informal é tornar a situação estável do ponto de vista militar o suficiente até março, para então tentar iniciar a transição para a saída do ditador Bashar al-Assad, aliado de Moscou.

A Folha apurou o cenário com interlocutores do Ministério da Defesa russo.

Março surge como meta porque, a partir daí, o clima na Síria torna-se progressivamente inóspito para operações militares, mas ninguém irá comprometer-se com datas precisas.

Desde que resolveu instalar-se na região de Latakia e atacar alvos em apoio ao Exército de Assad, esta é a semana mais importante para a campanha russa, a maior operação do país no exterior desde a invasão soviética do Afeganistão (1979-89).

Atacada pelo Estado Islâmico na sexta (13), a França pediu cooperação de Rússia e EUA contra a facção terrorista, que domina parte da Síria.

A medida caiu como luva para a estratégia do presidente russo, Vladimir Putin, e pôs os EUA em xeque.

A gestão Barack Obama denunciava a ação russa como desestabilizadora, até por ser focada em todos os inimigos de Assad –a quem Washington quer ver deposto, dando ajuda a rebeldes atacados por Moscou.

Já Putin, no mesmo dia em que admitiu, após inicialmente descartar, que o EI matou 224 pessoas ao explodir um Airbus russo em outubro, acenou ao colega francês François Hollande com "coordenação de ataques".

Segundo a reportagem apurou, por ora isso se resume à troca de informações por comandos sobre quem ataca qual alvo. Isso pode até mudar, mas é uma hipótese.

No dia seguinte ao anúncio, a terça (17), o Kremlin ordenou seu maior ataque aéreo na história recente. Desta vez, os alvos são majoritariamente do EI, pelos relatos disponíveis e avalizados pela França, que usou caças.

Avioes siria russia

Já a Rússia fez uma exibição de força para impressionar o Ocidente.

Usou caças-bombardeiros baseados em Latakia e colocou pela primeira vez em serviço ao mesmo tempo 23 bombardeiros estratégicos de longo alcance, que lançaram 34 mísseis de cruzeiro, inclusive o modelo furtivo ao radar Kh-101, em sua primeira missão.

Segundo o editor da publicação moscovita "Exportações de Armas", Andei Frolov, o Kh-101 "é o que há de melhor no arsenal russo do tipo". "É difícil avaliar sua eficácia, em especial sobre um alvo como o EI. É antes de tudo propaganda", diz.

Participaram duas estrelas da antiga aviação soviética, criados para uma guerra nuclear com os EUA: os bombardeiros Tupolev Tu-160 e Tu-95, estreantes em combate.

Outro modelo usado a partir de uma base no sul da Rússia, o Tu-22, já servira no Afeganistão, na Tchetchênia e na Geórgia. A Defesa russa já anunciou um reforço em Latakia, elevando talvez para 90 aeronaves a força residente.

GRUPO DE ASSAD

O rumor do uso de tropas intensificou-se, apesar das negativas do Kremlin, devido ao baixo desempenho do Exército de Assad, que estava em colapso antes do início da intervenção russa.

Além das tropas sírias, os russos apoiam do ar o Hizbullah libanês e forças clandestinas do Irã, todos do ramo xiita do islã, ao qual é afiliada a seita alauita de Assad que domina o governo e o oficialato em Damasco.

Em um mês e meio de campanha, a situação foi estabilizada, e houve vitórias importantes contra facções rivais de Assad. O EI, até aqui, pouco havia sido atingido.

A avaliação no Kremlin é que talvez seja preciso entrar em solo para transformar a estabilidade em posição de força, para permitir colocar em ação um plano em que o grupo de Assad permaneça no jogo mesmo sem o ditador.

Para a Rússia, isso visa o objetivo estratégico de firmar-se no Oriente Médio como potência e negociar em melhores condições o fim das sanções ocidentais devido à intervenção na Ucrânia.

Há cerca de 4.000 militares do país envolvidos na Síria, incluindo forças no Mediterrâneo e no mar Cáspio.


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