Folha de S. Paulo


Mulheres-bomba como a da França atuam há décadas em nome do terror

A notícia de que entre os terroristas encurralados em Saint-Denis havia uma mulher que aparentemente detonou explosivos presos ao próprio corpo quando a polícia invadiu será vista como chocante. Mas ela está longe de ser a primeira mulher-bomba.

Há mulheres terroristas suicidas há décadas. Mulheres-bombas foram usadas por organizações seculares de esquerda no Líbano nos anos 1980 e por grupos etno-separatistas como o PKK curdo e a organização LTTE (Tigres pela Libertação do Tâmil Eelam), no Sri Lanka, na década de 1990. Uma mulher-bomba tâmil assassinou o primeiro-ministro indiano Rajiv Gandhi em 1991.

Grupos tchetchenos começaram em 2000 a lançar ataques suicidas cometidos por mulheres. As chamadas "viúvas negras" (muitas de fato eram viúvas cujos maridos tinham morrido no conflito com as forças russas) estiveram envolvidas em uma série de ações terroristas de grande repercussão. Essas ações continuam.

Ataques do Estado Islâmico

Entre 2002 e 2005, mulheres também participaram de uma onda de ataques suicidas lançados por grupos militantes palestinos contra alvos israelenses. O comando central da Al Qaeda, que perdeu para o Estado Islâmico sua antiga posição de preeminência entre as organizações militantes islâmicas, evitava o uso de mulheres-bomba em suas operações de perfil alto. Mas grupos filiados à Al Qaeda as usam.

Em 2005, Abu Musab al-Zarqawi, ex-criminoso de rua jordaniano que virou militante e liderava a filial da Al Qaeda no Iraque, enviou quatro terroristas suicidas, um deles uma mulher, para atacar casamentos em hotéis de luxo em Amã, a capital de seu país de origem.

Os ataques deixaram 60 mortos e geraram ultraje na Jordânia (e, aparentemente, preocupação profunda entre o alto comando da Al Qaeda). A confissão filmada da mulher, detida depois de não ter ativado seu colete de explosivos, contribuiu para a onda crescente de repúdio à Al Qaeda na região e fora dela, repúdio esse que teria consequências estratégicas significativas para o grupo.

No mesmo ano, a primeira mulher-bomba europeia da qual se tinha conhecimento morreu em um ataque a um comboio americano no Iraque. Ela era belga, casada com um islâmico argelino. Organizações filiadas em outras regiões do mundo, como na Ásia central e no corno da África, continuaram a usar mulheres-bomba, mas com moderação. Mas elas ainda são raras, especialmente no Paquistão e Afeganistão.

O grupo que faz uso mais intensivo de mulheres-bomba é a organização nigeriana Boko Haram, cujo líder jurou fidelidade ao EI neste ano. Pouco mais de dois meses atrás, quatro mulheres-bomba mataram dezenas de pessoas em mesquitas no nordeste da Nigéria. Elas foram as mais recentes em uma onda de mulheres enviadas para atacar alvos civis na região. Nos últimos oito meses o Boko Haram usou dezenas de mulheres em ataques suicidas. Algumas delas eram crianças de apenas 10 anos.

O uso de homens ou mulheres-bomba é uma escolha feita por uma organização, e não é necessariamente uma escolha barata. É preciso um investimento importante para promover o condicionamento psicológico de homens e mulheres-bomba, para equipá-los e conservá-los com o grau de engajamento necessário para que cumpram sua missão. A Al Qaeda, o Estado Islâmico e grupos como o Hamas criaram infraestruturas inteiras com essa finalidade, envolvendo alojamento especial, comandantes escolhidos a dedo e até mesmo alimentação melhor, tudo isso para condicionar e preparar militantes que, apesar de geralmente serem voluntários, precisam ser tratados com cuidado.

Para uma organização, a vantagem de usar mulheres-bomba pode ser simplesmente tática -é mais fácil para mulheres evitar suscitar suspeitas, e elas podem se fazer passar por parte de um casal-ou pode ser estratégica.

Os terroristas querem prolongar ao máximo a cobertura que a mídia faz de seus atos. Sabem que depois do ataque inicial haverá uma caçada, e então, provavelmente, um último confronto com a polícia. Seu objetivo em tudo isso é provocar choque, terror e atrair o máximo possível de atenção. O uso de mulheres-bomba é uma maneira muito eficiente de alcançar todos esses objetivos.

Tradução de Clara Allain


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