Folha de S. Paulo


Radicais belgas atraíram adeptos com assistencialismo, diz analista

Bruxelas, em especial o bairro de Molenbeek, está relacionada a uma série de atentados recentes, incluindo o massacre de Paris na sexta passada (13).

O país, além disso, tem o maior número per capita de militantes lutando na Síria e no Iraque (em torno de 40), se comparado com outras nações europeias. Estima-se que ao menos 440 belgas tenham viajado à região, dezenas deles ao Estado Islâmico.

Analistas internacionais têm tentado entender qual é a relação entre esse pequeno país de 11 milhões de habitantes e as ações terroristas.

Yves Herman - 16.nov.2015/Reuters
Policiais belgas fazem buscas em prédios de Molenbeek, três dias depois dos atentados em Paris
Policiais belgas fazem buscas em prédios de Molenbeek, três dias depois dos atentados em Paris

A resposta que vem imediatamente, como veio também em Paris após o atentado de janeiro ao semanário "Charlie Hebdo", é que jovens muçulmanos não estão suficientemente integrados. O desemprego é maior entre bairros com concentração de muçulmanos, por exemplo.

Essas características, porém, não são exclusivamente belgas. Há críticas, além disso, diante de explicações exclusivamente socioeconômicas para um complexo fenômeno como o terrorismo.

O jornalista local Guy Van Vlierden, especializado em radicais belgas, sugere que um dos fatores decisivos tenha sido a atuação de influentes grupos terroristas, em especial o Sharia à Bélgica, cuja liderança foi recentemente condenada à prisão.

"Eles exploraram jovens nas escolas públicas, distribuíram comida a pobres enquanto pregavam ideias radicais", afirma. "Em pouco tempo, recrutaram e radicalizaram diversos militantes."

Também pode ter sido determinante uma capacidade menor de Inteligência no governo belga, comparado ao francês. As capitais são próximas –três horas de carro–, o que torna possível organizar um ataque em Bruxelas e colocá-lo em prática em Paris.

Além disso, a Bélgica tem três línguas oficiais, o que para analistas pode dificultar a cooperação entre diferentes regiões e a troca de informações com o vizinho serviço francês de Inteligência.

Mas Vlierden discorda que o governo belga não tenha feito o bastante para impedir a radicalização de jovens.

"Era difícil atuar contra grupos como a Sharia à Bélgica, porque eles não tinham feito nada contra a lei. Talvez não fossem leis severas o suficiente, mas é exagero dizer que o governo não agiu."

Outro fator problemático na Bélgica é a facilidade com que se pode comprar armas ilegalmente no país. Estima-se ser possível adquirir um fuzil por R$ 4.000 na periferia de Bruxelas. As armas usadas no ataque ao "Charlie Hebdo" em janeiro vinham dali, segundo relatos.

RECLAMAÇÕES

No bairro de Molenbeek, meia hora a pé do centro de Bruxelas, moradores evitavam na terça-feira (17) conversar com a imprensa. Quando falavam, reclamavam de segregação e preconceito contra muçulmanos.

Abdelhamid Abaaoud, suspeito de ter planejado o massacre de Paris, nasceu ali. Salah Abdesalam, outro envolvido, morava no bairro.

"Ele não é desses de 'Allah akbar'", afirma à Folha um vendedor paquistanês, referindo-se a Abdesalam –a quem, diz, conhecia das ruas. "É impossível que ele seja um terrorista. É uma coisa que inventaram, porque precisam de um culpado."

O vendedor, que não diz o nome, reclama das buscas policiais nos últimos dias. Ele acha que a razão é o preconceito contra o islã. "Veja a tela do meu laptop. Estou assistindo a vídeos de luta, não falando com a Al Qaeda."


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