Folha de S. Paulo


'Parecia um filme mudo, pessoas corriam, mas não gritavam'

O texto abaixo é o relato de P.M., que vive perto de dois locais atingidos e não quis ser identificada

*

"Parecia uma noite comum. Cheguei do trabalho às 21h. Estacionei minha moto perto de casa e subi ao apartamento. Meia hora depois, ouvi dois fortes barulhos, que pareciam fogos de artifício.

Fui olhar. Da minha janela se vê a fachada do Le Petit Cambodge e a saída do Le Carillon, dois lugares atacados.

O que vi depois parecia um filme mudo. Gente correndo, se escondendo atrás de carros, tentando entrar em restaurantes, edifícios. As pessoas não gritavam. Com exceção de uma mulher, que chorava alto, pedindo que ajudassem seu marido.

Havia um carro de bombeiro na rua. Soube depois que era para atender a um vizinho que passara mal mais cedo.

Foi inacreditável. Ouvi meu vizinho gritar no corredor que era um tiroteio.

Pensamos que fosse briga de rua, coisa de gangue. Mas queríamos notícia dos donos do restaurante, que são nossos amigos. O Le Carillon fica na porta de casa, e vamos lá quase diariamente.

Quando descemos, o barulho já tinha acabado. Foi quando vi vários corpos na calçada. Tive medo de encontrar algum conhecido e não olhei, virei o rosto. Eram vários corpos, mais de dez. Um homem chorava, ajoelhado, sobre o corpo de uma mulher.

Não vi nenhum amigo. Reconheci apenas um garçom da pizzaria em frente, em pé na calçada. A polícia já havia chegado ao local e nos mandou subir. Pediu que ficássemos trancados em casa.

Foi uma noite longa. Ficamos acompanhando o noticiário com os vizinhos, atendendo ligações dos amigos que viram a nossa esquina na televisão durante toda a madrugada. Recontamos a todos eles, em detalhes, o que vimos pela janela.

Também dali vimos cada procedimento do socorro, a chegada da polícia, dos bombeiros, dos jornalistas, da perícia e os corpos empacotados no chão, na porta da minha casa."


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