Folha de S. Paulo


Após soja, Rosario, na Argentina, passa a exportar cocaína

Primeiro veio a soja, depois a cocaína.

Uma das cidades argentinas que mais se beneficiaram do "boom" de commodities –por seus portos saem 80% da soja do país–, Rosario transformou-se na "Medellín argentina", como é chamada por seus habitantes.

"O fenômeno começou após a derrocada dos cartéis colombianos e a necessidade de um novo ponto estratégico para escoar a produção de drogas que vêm do Paraguai [maconha] e da Bolívia [cocaína], principalmente", conta à Folha o deputado Carlos Del Frade, autor do livro "Ciudad Blanca, Crónica Negra".

Com 1,2 milhão de habitantes, a terceira cidade do país oferecia ótimas condições.

Além dos portos no rio Paraná com acesso ao Atlântico, Rosario também está próxima (300 km) de um grande mercado consumidor, a cidade de Buenos Aires.

Enrique Marcarian - 10.set.2015/Reuters
Policiais dão batida na favela de Villa Banana, periferia de Rosario
Policiais dão batida na favela de Villa Banana, periferia de Rosario

Com o aumento do comércio, veio a onda de violência, que desde 2008 não para de aumentar. Nos últimos anos, a taxa de mortalidade dobrou, e mais de 600 pessoas foram assassinadas, vítimas da violência causada pela droga.

Sicários (matadores de aluguel), mortes por encomenda e crimes de demarcação de território passaram a ser cada vez mais comuns.

"Essas coisas deixaram de ocorrer apenas na periferia, onde vive 30% da população mais pobre", conta o analista Raúl Acosta.

Enquanto ele falava com a Folha, no centro de Rosario, podia-se ver garotos consumindo "paco" (pasta de cocaína semelhante ao crack). "A sociedade se acostumou a cenas como essa. O sol se põe, e outra Rosario aparece."

Em outubro de 2013, deu-se o fato mais grave, o governador da província, Antonio Bonfatti, sofreu um atentado. Jornais e veículos que divulgavam fatos violentos passaram também a ser ameaçados.

"Tive que deixar a cidade e sumir por um tempo, tenho filhos, não dava para continuar expondo minha família", conta o correspondente do jornal "La Nación" na cidade, Germán de los Santos.

A reportagem visitou um "bunker" no bairro de Villa Banana. Diferentemente de outros polos da região, como as favelas do Rio ou de Medellín, em Rosario há postos fixos de venda de drogas, conhecidos como "bunkers".

Construídos de forma irregular, parecem iglus de concreto, com apenas uma pequena abertura, por onde se pode pedir cocaína, numa espécie de drive-thru.

Lá de dentro, uma voz adolescente responde. Quando percebe o sotaque estrangeiro do cliente, diz que não poderia vender nada naquele momento.

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"São crianças, adolescentes. Os criminosos preferem colocar menores de idade ali dentro, porque é mais difícil incriminá-los", diz De los Santos. Os chamados "soldaditos" ficam de 10 a 16 horas trabalhando nos "bunkers".

A "estética narco" também começa a se fazer presente em Rosario. Desde o assassinato em 2014 do cantor de hip hop Ariel Alejandro Ávila, aos 21, surgiram artistas cujas letras fazem apologia da violência. "É parecido com o 'narcocorrido' mexicano e o funk carioca", conta De los Santos.

Como em outras cidades latino-americanas, a disputa narco também chegou às torcidas organizadas de futebol. As dos dois times principais da cidade, Rosario Central e Newell's Old Boys (onde Lionel Messi começou a jogar), possuem integrantes investigados pela conexão com redes do crime organizado.

CAMPANHA

O narcotráfico tem sido assunto presente na campanha eleitoral argentina.

Às vésperas do segundo turno (dia 22), os dois candidatos presidenciais prometem reforço policial e ações contra a impunidade.

O governista Daniel Scioli diz que aplicará a mesma política de tolerância zero que implementou na província de Buenos Aires, da qual é governador. "Foi porque persegui os chefões do narco aqui em Buenos Aires que eles foram para Rosario", afirma.

O opositor Mauricio Macri culpa a gestão kirchnerista pela expansão do narcotráfico no país.

Sobre legalização, Macri diz que, se vencer, a Argentina irá "observar a experiência uruguaia" para depois considerar alguma política nessa linha.

INSPIRAÇÃO BRASILEIRA

Inspirado na experiência brasileira de ocupação das favelas cariocas, o governo argentino promoveu, em abril de 2014, uma ofensiva da gendarmeria (força nacional de segurança) em Rosario.

Uma força de 2.500 oficiais chegou repentinamente à cidade. Estavam vestidos de civis, viajavam em ônibus de turismo e desembarcaram em localidades próximas. A ação começou durante a manhã e durou todo o dia, com buscas e apreensões em distintos bairros.

Enrique Marcarian - 10.set.2015/Reuters
Policial faz revista em morador da favela Villa Banana, na periferia de Rosario
Policial faz revista em morador da favela Villa Banana, na periferia de Rosario

O próprio secretário nacional de Segurança, Sergio Berni, dirigiu a operação a partir de um helicóptero. Durante os meses seguintes, um cerco obrigou cidadãos a mostrarem documentos e a terem seus carros revistados.

À época, Berni declarou que foram encontrados nas apreensões vínculos do narcotráfico local com o cartel de Sinaloa, um dos mais poderosos do México, liderado pelo hoje fugitivo "Chapo" Guzmán.

A ação também promoveu a destruição de muitos "bunkers". Hoje, o que se pode observar em alguns bairros são ruínas dessas construções, como se estivéssemos numa cena de guerra do Oriente Médio.

Na última terça-feira, garotos brincavam de esconde-esconde no meio desses escombros, no bairro de La Tablada.

"Já virou parte da paisagem local", disse uma mulher, com um sorriso desconsolado no rosto, enquanto chamava para almoçar o filho que corria entre as pedras.


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