A condição de espectadores virtuais da tragédia revela o pior de nós. Acompanhar os ataques em Paris pelas redes sociais é assistir a um espetáculo de histeria coletiva da pior espécie. As timelines se transformam em um festival de desinformação e, é bom lembrar, só vai piorar.
Por que absolutamente TODO MUNDO precisa ter opinião? De repente somos todos especialistas em terrorismo, em política internacional, em religião. Todo mundo sabe o que é ataque coordenado, retaliação. Cada um tem sua própria análise de 140 caracteres sobre as diferenças e as semelhanças entre Estado Islâmico e Al Qaeda.
Cobertura ao vivo de uma tragédia dessa magnitude vira 'sensacionalismo' para quem não sabe a diferença entre jornalismo e a prática do "comentarismo de sofá". Além de ter opinião abundante sobre os ataques, suas causas e consequências, as pessoas se tornam especialistas instantâneas em análise de mídia.
E costuma ser entre esses recém-convertidos especialistas, os paladinos da informação livre, que circulam os piores equívocos travestidos de notícia (como a foto da multidão parisiense carregando o luminoso "not afraid", em janeiro, pós-'Charlie Hebdo', postada por muita gente como se fosse desta sexta-feira.
"Meu coração está com Paris" e outras hipocrisias sinceras do tipo "Oh, lord'. Mesmo? Jura que você se sente melhor dizendo para os seus seguidores o quanto lamenta? Isso te causa alguma sensação de pertencimento? Ou de dever cumprido? Mesmo? MESMO?
E de repente o mecanismo de identificação, tão instintivo, se torna a coisa mais egoísta do mundo –"Morreram mais de cem em uma casa de shows. Num show de rock. Podiam ser nossos amigos". A partir dessa constatação, a "de que poderia ter sido comigo", a pessoa (acha que) passa a fazer parte da tragédia.
Pois você não faz, cara pálida. Você jamais poderá imaginar, nem eu nem você, o que aquelas pessoas pensaram ou sentiram.
Assim como é um crime julgar quem estava dentro do Bataclan postando pedido de socorro no Facebook. Já fizemos isso com as vítimas de Santa Maria, lembra? "Como pode o sujeito estar à beira da morte e postar na internet"? Não temos o direito de avaliar essa situação.
E começa o campeonato de tragédias (Mariana x tsunami no Japão, 11 de Setembro x Paris, etc). E seguem os debates muito informativos e iluminados sobre qual "teria sido pior"
Sim, talvez a gente sempre tenha agido dessa forma diante de tragédias como a de hoje. A dor mexe em lugares muito diferentes de cada um, e provoca reações tão díspares quanto. A diferença é que agora fazemos isso em praça pública –aliás, fazemos questão de fazer isso em praça pública, do contrário, qual a graça? Não postei, não vivi etc e tal.
É claro que há o lado positivo dessa conexão, com perdão pelo trocadilho. Gente trocando informação de verdade, pessoas sem acesso a outras formas de comunicação avisando que estavam bem pelas redes, todo tipo de ajuda sendo propagada rapidamente. Mas poderíamos guardar um pouco da nossa mesquinharia, da nossa hipocrisia e da nossa prepotência para depois. Agora não é hora. Deixem a ambulância passar.