Folha de S. Paulo


Após 12 dias, governo do premiê Passos Coelho cai em Portugal

A coligação vencedora das últimas eleições legislativas em Portugal caiu nesta terça-feira, 12 dias depois de tomar posse.

Foi o governo mais curto da história do país e um resultado que já era considerado inevitável.

A manobra que derrubou o governo foi possível porque, no sistema parlamentar português, os votos não são feitos diretamente nos candidatos, mas sim nos partidos. E são eles que, por sua vez, indicam o mandatário.

Embora individualmente a aliança de centro-direita liderada por Pedro Passos Coelho, premiê de Portugal há quatro anos, tenha ganhado nas urnas em outubro, a bancada de esquerda levou a melhor em números absolutos.

Antonio Cotrim/Efe
Passos Coelho (centro) cumprimenta António Costa (dir.) após a sessão que derrubou seu governo
Passos Coelho (centro) cumprimenta António Costa (dir.) após a sessão que derrubou seu governo

Em uma aliança pós-eleitoral comandada por António Costa, líder do Partido Socialista, a esquerda portuguesa -historicamente fragmentada em diferenças políticas e ideológicas- acabou unida em acordo inédito.

Após dois dias tensos de debates, os deputados da Assembleia da República rejeitaram o novo governo de Passos Coelho. A medida foi aprovada com folga: 123 votos a favor e 107 contra.

A aproximação do PS, mais moderado, com o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista Português, mais radicais e com algumas figuras que se opõem ao euro e à União Europeia, ligou o sinal de alerta no continente.

Os detalhes do acordo e de um eventual plano de governo da esquerda ainda não são totalmente conhecidos, e há o temor de que o país -recém-saído de um programa de resgate da chamada troica (União Europeia, Fundo Monetário Internacional e Banco Central Europeu)- possa voltar ao descontrole de gastos.

Entre as medidas já apresentadas pela esquerda estão o aumento do salário mínimo para € 600 (pouco mais de R$ 2.400) e a diminuição de impostos.

Em entrevista após a rejeição ao governo, o líder socialista Costa afirmou que em seu governo de esquerda estarão assegurados os compromissos de Portugal no âmbito da União Europeia e na moeda comum.

"A Assembleia da República expressou aquilo que é a vontade da maioria do povo português expressa nas urnas. Quem vota são os eleitores, que determinam a composição parlamentar", justificou.

NAS MÃOS DO PRESIDENTE

Embora tenha conseguido assinar um acordo que costura a maioria com os deputados da esquerda, António Costa ainda não pode se considerar o próximo primeiro-ministro.

No regime português, quem "convida" um partido a formar um governo é o presidente da República -que é eleito em um pleito distinto e tem funções na administração pública bem separadas do primeiro-ministro.

Em anúncio em rede nacional no fim do mês passado, o presidente Aníbal Cavaco Silva, a poucos meses do fim de seu mandato, criticou duramente as manobras já em curso para derrubar o governo de direita.

"Depois de termos executado um exigente programa de assistência financeira, que implicou pesados sacrifícios para os portugueses, é meu dever, no âmbito das minhas competências constitucionais, tudo fazer para impedir que sejam transmitidos sinais errados às instituições financeiras, aos investidores e aos mercados, pondo em causa a confiança e a credibilidade externa do país que, com grande esforço, temos vindo a conquistar", afirmou Cavaco Silva.

A fala do presidente dividiu opiniões e, para alguns analistas, pode simbolizar que ele não está disposto a convocar um primeiro-ministro de esquerda.

"Antes das eleições não havia muita gente a antecipar que isso aconteceria, uma aliança de esquerda para derrubar o governo eleito", avalia André Azevedo Alves, professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa.

Em uma opção considerada pouco provável, mas permitida pela Constituição do país, o presidente poderia indicar um outro nome, um espécie de primeiro-ministro temporário até a realização de novas eleições –que só podem acontecer a partir do segundo trimestre de 2016.

Não há prazo para que o presidente Cavaco Silva tome sua decisão, o que arrasta ainda mais as incertezas do cenário português.

"Neste momento está tudo nas mãos do presidente da República. É uma decisão difícil", completa Azevedo Alves.

Demitido, o atual premiê permanece no cargo até o novo governo tomar posse, mas com poderes e ações restritos. Segundo a Constituição, neste caso, "o governo limitar-se-á à prática dos atos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos".

Passos Coelho deixou claro que pretende se manter ativo na oposição: "Sempre disse que não abandonava o meu país. Se não me deixam lutar por ele no governo, como quiseram os eleitores, lutarei no Parlamento", afirmou.

HERANÇAS

Por ter liderado um pesado programa de austeridade, que aumentou impostos, suspendeu feriados, diminuiu subsídios, privatizou empresas e cortou funcionários, Passos Coelho viu sua popularidade despencar ao longo do mandato.

Mesmo assim, a esquerda portuguesa não deve ter um governo fácil.

O ex-primeiro-ministro socialista José Sócrates (2005-2011) ficou detido por quase um ano, até outubro de 2015, sob acusações de corrupção e favorecimento que resvalam ainda em outras figuras de seu partido.

O retorno dos socialistas preocupou os mercados. A Bolsa de Lisboa caiu 4% na segunda-feira.

O banco Commerzbank, que nos últimos meses adotava uma posição otimista quanto à economia portuguesa, enviou aos seus clientes um relatório com o título "Portugal: a nova Grécia?", no qual questiona as medidas dos socialistas.


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