Folha de S. Paulo


Nova York descobre duas câmaras mortuárias sob a Washington Square

Um se chamava William. Outro tinha 21 anos.

Eles podem muito bem ter adorado seu Deus numa pequena igreja presbiteriana na Cedar Street, em Lower Manhattan, no início dos anos 1800, quando Nova York despertava de seu passado provincial para se tornar a cidade mais importante da nação.

Quando eles morreram, seus corpos foram colocados em caixões de seis lados e levados para a parte norte da cidade, perto da esquina da Wooster Street com a 6th St. Lá, em uma câmara mortuária subterrânea de pouco mais de 8 metros de comprimento, com um teto abobadado de tijolos, eles foram colocados atrás de uma porta de madeira trancada. Em seguida, foram esquecidos.

Até a última terça-feira.

Foi quando trabalhadores contratados pelo Departamento de Design e Construção da prefeitura, que se preparam para instalar uma nova tubulação de água no subterrâneo da rua que margeia a Washington Square no lado leste (Wooster Street), encontraram o topo de um arco de tijolos cerca de um metro abaixo do nível da calçada.

No interior, restos humanos jaziam espalhados em torno de um espaço quase vazio.

As atividades mais pesadas então pararam e deu-se início a uma escavação cuidadosa, acompanhada por Alyssa Loorya, arqueóloga que tinha sido contratada para o projeto inicial da tubulação de água, de US$ 9 milhões, tendo em vista a sensibilidade arqueológica da Washington Square.

Uma segunda câmara mortuária, paralela à primeira, foi descoberta imediatamente ao sul. Uma pedra foi removida de sua parede a leste. E a vista que se teve era de tirar o fôlego até do arqueólogo urbano mais experiente: vários caixões, talvez duas dúzias deles, cobriam o chão da câmara.

Alguns estavam destroçados, mas outros pareciam estar em bom estado de conservação. Caixões menores sugerem que crianças foram enterradas ali, quando não era incomum que as famílias perdessem seus membros mais jovens.

Muitos dos caixões tinham placas de identificação em forma de losango que –uma vez decifradas– ajudarão Loorya e outros a dar nomes aos esqueletos. E com os nomes, seu contexto. E com o contexto, novas histórias da antiga Nova York.

Ninguém entrou ainda nas câmaras, apenas câmeras de sondagem. Ainda não está claro se alguém entrará.

"Estes são os restos mortais de membros de famílias", disse Feniosky Peña-Mora, comissário do Departamento de Design e Construção durante visita ao local na sexta-feira. "Temos que ser muito respeitosos."

Mesmo através de câmeras, no entanto, há muito a descobrir. Foi como Loorya conseguiu identificar o nome "William" em uma placa num caixão e "21 anos" em outra. Uma terceira placa está frustrantemente num ângulo oblíquo e, portanto é possível ler apenas "18".

A primeira câmara tinha sido encontrada antes, há 50 anos, por trabalhadores da empresa de energia nova-iorquina Consolidated Edison. Uma chamada na primeira página do "The New York Times", na época, a descreveu como algum tipo de túmulo contendo cerca de 25 esqueletos.

Poucos dias depois, a prefeitura e a Consolidated Edison anunciaram que a empresa iria procurar um local diferente para colocar um novo transformador, de modo que os esqueletos pudessem "continuar o seu descanso".

Com isso, eles foram esquecidos novamente.

Peña-Mora disse que soube da descoberta desta semana na terça-feira, enquanto estava participando de uma conferência no centro da cidade. Recebeu uma enxurrada de e-mails em seu telefone. "Quando você tem este tipo de descoberta", disse, "você precisa emitir imediatamente uma ordem para parar a obra".

Ele disse que sua agência está trabalhando com a Comissão de Preservação de Marcos e o Departamento de Proteção Ambiental para descobrir como prosseguir com o projeto de água perturbando minimamente as câmaras mortuárias.

Mesmo sendo um engenheiro e a descoberta atrasando seu trabalho, Peña-Mora parece satisfeito com o que seu trabalho começou.

"O que é fascinante", disse, "é como, à medida que vamos construir o futuro de Nova York, vamos redescobrir seu passado."


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