Folha de S. Paulo


Cristina vira obstáculo para candidato governista

"Serei mais Scioli do que nunca", prometeu o candidato da situação à Presidência da Argentina, Daniel Scioli. No inédito segundo turno da eleição presidencial no país, a avaliação de analistas é que ele tentará se distanciar da presidente Cristina Kirchner, cuja influência pode ter afetado seu desempenho na votação de domingo, dia 25.

Com popularidade em alta no fim do mandato, acima de 40%, Cristina se manteve no centro das atenções na campanha. Indicou como vice um nome de confiança, Carlos Zannini, e fez inúmeras aparições em rede nacional defendendo sua gestão.

Forçou a candidatura de seu polêmico ministro Aníbal Fernández, acusado de envolvimento com narcotráfico, a governador da província de Buenos Aires, maior colégio eleitoral do país. Fernández perdeu e Cristina causou uma fadiga que pode ter queimado seu presidenciável antes da linha de chegada.

"As pessoas não querem votar no candidato de alguém, querem votar no seu próprio candidato", avalia o analista Ricardo Rouvier.

O protagonismo da presidente ainda dividiu o peronismo entre kirchneristas e dissidentes, fazendo com que muitos optassem por Sergio Massa, o terceiro nas urnas com 21% dos votos.

Adotar um tom crítico ao governo, admitindo a necessidade de mudanças, deveria ser, portanto, o caminho buscado por Scioli, avalia o sociólogo Marcos Novaro.

David Fernández -26.out.2015/Efe
O candidato governista à Presidência da Argentina, Daniel Scioli, dá entrevista no dia seguinte à votação
O candidato governista à Presidência da Argentina, Daniel Scioli, dá entrevista no dia seguinte à votação

"Scioli está buscando o próprio caminho. Tem que convencer Cristina a ficar calada, a deixá-lo a fazer a campanha que não pôde fazer antes", disse. "Ele tem que explicar quais são as coisas que ele quer melhorar no país."

No início da corrida eleitoral, Scioli chegou a levantar o slogan da continuidade com mudanças, mas guardou essas declarações para não perder o voto da chefe.

OPOSIÇÃO

Mauricio Macri, da coligação Mudemos, parece ter vantagem hoje no debate entre continuidade e mudança que dividiu a política argentina.

Embora tenha ficado em segundo na votação, está sendo tratado como vitorioso por levar a disputa para o inédito segundo turno.

"As pessoas deixaram claro que não querem continuidade", diagnosticou o terceiro colocado, Sergio Massa. "As pessoas votaram contra Cristina, contra La Cámpora e contra [Aníbal] Fernández."

Fora da disputa final, Massa está sendo assediado pelos dois adversários, que cobiçam seu apoio. Ele mantém mistério, mas suas declarações o deixam mais próximo de Macri neste momento.

"Enquanto Scioli não for o líder de sua força política, ele não pode governar. Tem que deixar de ser empregado de Cristina", disse Massa a uma rádio local nesta terça (27).

Nicolás del Caño, candidato da Frente de Esquerda e quarto colocado na eleição (3,3%), pediu que seus eleitores votassem em branco.

A quinta, Margarita Stolbizer (2,5%), que tem votos da classe média, disse resistir a Scioli por ele representar continuidade.

Para Novaro, a nova estratégia de comunicação de Scioli tem riscos. Ele pode perder votos de sua base mais fiel. Por outro lado, se não se distanciar de Cristina, não conseguirá somar eleitores.

"Scioli terá que escolher se insiste na ideia de polarizar entre dois modelos de país ou se tentará buscar aliados optando pela moderação. Se for pelo primeiro caminho, não cresce e poderá perder da maioria que pede mudança."

Os assessores de Scioli passaram boa parte desta terça (27) reunidos, definindo a estratégia do segundo turno.

Em entrevista a uma TV, o candidato deu pistas de como conduzirá a nova etapa.

Falando em "grande final", indicou que poderá colocar Cristina no banco de reservas. "Nunca fui uma pessoa rígida, sempre falei em evolução, em seguir transformando. Minha proposta é a continuidade com as mudanças que sejam possíveis", afirmou.


Endereço da página: