Folha de S. Paulo


Fôlego de opositor muda eleição argentina

A Argentina terá um inédito segundo turno na eleição presidencial, e os dois candidatos que se enfrentarão no próximo dia 22 de novembro iniciaram a nova etapa da campanha buscando o apoio de eleitores dos rivais.

Em disputa acirrada na votação de domingo (25), o governista Daniel Scioli (36,86%) superou o opositor Mauricio Macri (34,33%), mas não conseguiu atingir os 40% e a vantagem de dez pontos necessários para encerrar a disputa no primeiro turno.

ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS* -

A boa performance do opositor, cujo perfil pró-mercado difere do da atual presidente, surpreendeu mídia e analistas, além de fazer dispararem as ações das empresas argentinas em Wall Street na manhã de segunda (26).

Scioli pediu cautela com as promessas de mudança do seu rival. "Mudança é uma palavra sedutora, mas perigosa. Precisamos cuidar daquilo que conquistamos."

Admitindo nessa nova fase participar de um debate (no primeiro turno, ele havia se recusado), Scioli afirmou que está mais próximo da vitória. Na sua conta, "os eleitores dos socialistas de [Nicolás] Del Caño, dos federalistas de [Adolfo] Rodriguez Saá e os de Sergio Massa, com quem compartilho muitas ideias, estão mais próximos da minha candidatura do que da candidatura de Macri".

Mapa eleitoral Argentino

O atual governador da província de Buenos Aires disse que o que está acontecendo na Argentina já ocorreu recentemente no Brasil e no Uruguai. "Nesses países, os governos nacionais-populares enfrentaram, nas últimas eleições, uma reclamação da direita. É preciso refletir e discutir essa reclamação."

Scioli reforçou ainda que sua candidatura tem compromisso com a manutenção do papel do Estado na inclusão social dos trabalhadores.

ELEITOR ANTIKIRCHNER

Já Macri, que conquistou dez pontos entre os eleitores desde as eleições primárias em agosto, acenou diretamente aos eleitores do rival.

"Queremos dizer aos que votaram em Sergio Massa, em Margarita Stolbizer, Adolfo Rodriguez Saá, Nicolás del Caño e até em Daniel Scioli, que estamos aqui para representá-los", disse.

O opositor reconheceu que já havia recebido no domingo votos de um eleitorado que extrapola sua base tradicional, e pediu confiança.

eleição para a câmara -

"A Argentina precisa de mudança e isso inclui escutar, dialogar, prestar contas."

Macri voltou a defender a redução da pobreza e o combate ao narcotráfico, bandeiras que o aproximam dos eleitores de Stolbizer e Massa, respectivamente. Pedindo união, afirmou que se ganhar fará "o possível para incluir todos no futuro governo".

Macri fez um especial afago aos eleitores da província de Córdoba, onde teve mais votos do que Daniel Scioli.

senado* -

Trata-se do segundo maior colégio eleitoral do país, onde muitos eleitores optaram por Massa e que poderiam embarcar em sua candidatura no segundo turno. Córdoba é governada por Juan Manuel De La Sota, um peronista descontente com Cristina Kirchner.

Outro também peronista que deixou as filas do kirchnerismo, Sergio Massa (UNA), terceiro colocado que obteve 21,34% no domingo, ainda não se posicionou.

Seu discurso no domingo à noite, porém, foi bastante crítico ao atual governo, dizendo que apoiará "quem apoie as nossas propostas", e disse esperar que o novo governo "acabe com a distribuição de dinheiro e com a política do talão de cheque", fazendo referência aos planos de assistência e de subsídios de Cristina Kirchner.

O trotskista Nicolás Del Caño, que obteve 3,27% dos votos com a Frente de Esquerda, recomendou a seus eleitores que votem em branco.

Os outros dois candidatos, Margarita Stolbizer (2,53%, Progressistas) e Adolfo Rodriguez Sáa (Compromisso Federal, 1,67%) não se posicionaram ainda. A abstenção foi de 21% no primeiro turno.

ALIANÇAS

Para o cientista político Marcos Novaro, da Universidade de Buenos Aires, o inédito segundo turno inaugura um capítulo novo na história política do país porque "não temos uma tradição cooperativa, a ideia de partidos fazendo alianças por um projeto".

Quando Mauricio Macri (PRO) e a União Cívica Radical (UCR) fecharam a aliança Mudemos, no ano passado, houve o abandono de vários "radicalistas", que consideraram a aliança uma traição.

Já para Patricio Giusto, do Diagnóstico Político, "vamos começar a ver como se comportam os partidos quando é necessário fazer coalizões com outras forças. É um sinal de maturidade política."

O historiador Luis Alberto Romero considera que a divisão do peronismo definirá o resultado. "O partido se polarizou e existem duas fatias, uma mais à esquerda, com o governo, e outra mais à direita, que poderia ficar com Scioli ou migrar para Macri."


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