A única experiência política que Jimmy Morales, 46, possuía até hoje na Guatemala era a de ter interpretado o personagem Neto, caubói que vira presidente por acaso, na comédia "Un Presidente de a Sombrero".
Ficção e realidade, porém, têm altas chances de se encontrar neste domingo (25), quando 7,5 milhões de guatemaltecos irão às urnas para o segundo turno da eleição presidencial.
Favorito para vencer o pleito, o humorista conservador Morales, cujo lema é "nem corrupto, nem ladrão", tem 58,5% das intenções de voto.
Num distante segundo lugar está a ex-primeira-dama de centro-esquerda Sandra Torres [ex-mulher de Álvaro Colom], que possui 27,6%, segundo pesquisa do instituto Prodatos.
Reprodução | ||
O comediante e candidato a Presidência de Guatemala Jimmy Morales |
"O voto em Morales é um voto de protesto contra a classe política tradicional e o histórico de corrupção desenfreada de todos os presidentes do período democrático", diz à Folha a analista política Gloria Álvarez.
A candidatura de Morales ganhou força em meio ao escândalo de corrupção que levou à renúncia de Otto Pérez Molina, em setembro.
Junto a outros 28 políticos e funcionários públicos, Pérez Molina é acusado de participar de uma rede responsável por desviar mais de 50% da arrecadação alfandegária do país.
O caso veio à tona após investigações da Procuradoria com a ajuda da Comissão Contra a Impunidade na Guatemala (CICIG) –agência de investigação independente, criada pelo governo em parceria com as Nações Unidas, em 2007, e composta de guatemaltecos e estrangeiros.
A denúncia, feita em maio, provocou manifestações de rua que se repetiram por meses, fragilizando o governo. Por fim, o Congresso votou pela retirada da impunidade de Pérez Molina.
O ex-presidente agora responderá a processo por corrupção e deve ser indiciado ainda por abusos cometidos na guerra civil (1960-1996). Na época como militar, Pérez Molina é acusado de participar de ações que resultaram no assassinato de indígenas.
DESAFIOS
Maior economia da América Central, a Guatemala tem perspectiva de crescimento de 4,2% para 2015 e economia baseada na exportação de commodities aos EUA e a países asiáticos.
"O desafio é mais político do que econômico. Até ontem éramos um país quase que exclusivamente rural e muito desigual, com mais de 50% da população vivendo no campo e na pobreza. Agora, as cidades estão tendo um 'boom', e isso significa novas necessidades de políticas de redistribuição, estímulo ao emprego, e investimento em infraestrutura", diz o economista Quique Godoy.
Isso ajuda também a explicar o êxito de Morales. Enquanto seu eleitorado é majoritariamente urbano, Sandra Torres é mais identificada com a política de distribuição de planos de assistência social, ao estilo brasileiro.
"Torres virou uma solução em que as pessoas já não acreditam. O projeto dela era identificar-se um pouco com o bolivarianismo, mas este está desacreditado aqui hoje", diz Álvarez.
Analistas concordam que houve uma mudança de comportamento após a série de manifestações.
"Ainda que nenhum dos candidatos seja ideal, sabemos que a população já não aceitará que a corrupção ocorra de forma impune. Diante da primeira irregularidade, voltará às ruas", afirma Álvarez.