Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Rússia e Afeganistão explicitam inabilidade política dos EUA

Barack Obama vinha marcando gols midiáticos com uma certa frequência, provocando a impressão de que poderia acabar o mandato melhor do que começou em sua política externa.

O polêmico acordo nuclear com o Irã, a simbólica reaproximação com Cuba, tudo isso trazia mais simpatia do que críticas ao presidente.

Aí vieram dois velhos conhecidos, a Rússia e o Afeganistão, para explicitar a inabilidade do país mais poderoso do mundo para dar um curso a políticas coerentes quando se aventura –ou é instado a fazê-lo– a exercer o poder imperial.

No caso de Moscou, a intervenção militar na guerra civil da Síria pegou os americanos de surpresa.

A resposta até aqui foi a de desmantelar um ineficaz programa de treinamento de rebeldes contrários ao ditador Bashar al-Assad, aliado dos russos, e despejar armas mais sofisticadas em contêineres para que eles as usem.

Não será surpresa quando um miliciano do Estado Islâmico fizer um vídeo em HD operando mísseis antitanque da americana Raytheon.

E agora é a vez do Afeganistão.

Editoria de Arte/Folhapress

Novamente, os sinais estavam claros. Desde que a conturbada eleição presidencial de 2014 foi vencida pelo tecnocrata Ashraf Ghani, o país começou a regredir ao que parece ser seu estado natural: uma confederação fracionada de "senhores da guerra" de tribos diferentes lutando por poder.

Algumas medidas foram colocadas em prática para tentar apaziguar a situação, como instalar um dos mais brutais desses líderes tribais, o uzbeque étnico Abdul Rachid Dostum, como vice-presidente. Violento, mas representa 10% da população.

Aliás, foi justamente a maior derrota simbólica do Afeganistão pós-EUA que motivou Obama a manter suas tropas lá até o fim do mandato.

No fim do mês passado, o Taleban estendeu as vitórias que vinha tendo na área de Helmand (sul) para a captura do importante centro regional de Kunduz (norte).

A ocupação durou poucos dias e ficou marcada pelo ataque americano que acertou um hospital, mas provou que, após anos de divisão e de desorganização e da morte do seu líder, o Taleban está pronto para se impor como ator político também por via militar.

O preço de abandonar seu playground bélico do pós-11 de Setembro já foi visto no Iraque, país cujo governo ensaia pedir ataques dos russos contra o Estado Islâmico apenas quatro anos depois de os americanos irem embora com o grosso de suas tropas.

Para quem gosta de comparações históricas, sempre é bom lembrar que o Taleban só existe porque os EUA deixaram na mão os guerrilheiros que ajudaram a expulsar os soviéticos do Afeganistão em 1989.

O vácuo levou a uma guerra civil e ao surgimento da milícia, filiada à maioria pashtun da região e fomentada pelo vizinho Paquistão.

Com a aproximação das eleições presidenciais do ano que vem, Obama parece estar jogando, ao menos no Afeganistão, o mesmo dado de seu antecessor, George W. Bush: empurrando o problema para próximo ocupante da Casa Branca.

Os pré-candidatos democratas não devem estar muito satisfeitos.


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