Folha de S. Paulo


Prostitutas idosas revelam lado sombrio da ascensão sul-coreana

Enquanto cerca de uma dúzia de homens idosos fazem hora em uma pracinha perto de um cinema, batendo papo ou olhando as pessoas que passam, diversas mulheres enrugadas caminham entre eles, procurando clientes que desejem pagar por sexo nos motéis próximos.

"Ei, que tal vir comigo? Vou tratá-lo muito bem", disse uma mulher claudicante de 76 anos ao repórter que a abordou, em uma ensolarada tarde recente.

A despeito de uma campanha de repressão policial que resultou em 33 detenções no segundo trimestre, entre as quais a de uma mulher de 84 anos, as chamadas "damas de Baco" continuam a ser vistas perto do teatro Piccadilly, no bairro de Jongno, Seul. O apelido vem de uma popular bebida energética, Baccus, que muitas das prostitutas tradicionalmente vendem.

As mulheres de meia-idade e idosas e os seus clientes —alvo de lástima e desdém neste país conservador— oferecem um vislumbre do lado sombrio da rápida ascensão econômica da Coreia do Sul e da erosão dos papéis tradicionais dos pais e filhos. A classe média, crescente e ultracompetitiva, se preocupa só em subir na vida, e muitas pessoas idosas e pobres se veem obrigadas a cuidar das próprias necessidades.

A despeito do dramático crescimento do país depois da Guerra da Coreia, entre 1950 e 1953, muitas mulheres mais velhas, na cultura sul-coreana dominada pelos homens, não receberam educação e oportunidades de emprego iguais quando eram jovens. Viúvas, divorciadas ou abandonadas pelos filhos, algumas delas agora se veem sem uma rede de segurança social e por isso são forçadas a recorrer à prostituição. Algumas são pagas para beber com homens mais velhos e só ocasionalmente fazem sexo com eles.

Os viúvos e divorciados idosos, enquanto isso, buscam mulheres para satisfazer seus desejos sexuais ou combater a solidão, já que persistem os preconceitos contra segundos casamentos e namoros entre idosos.

No final de 2013 e começo de 2014, o número de "mulheres de Baco" atingiu um pico de entre 300 e 400 só no bairro de Jongno, de acordo com Lee Hosun, professora da Korea Soongsil Cyber University, em Seul, que entrevistou dezenas dessas mulheres. Agora, depois das ações policiais, restam cerca de 200, muitas na faixa dos 60 e 70 anos, segundo Lee, e 20 delas frequentam regularmente a área da praça do Piccadilly. Acredita-se que centenas de outras "damas de Baco" estejam ativas no país.

ILEGALIDADE

A prostituição é ilegal, na Coreia do Sul, e os tradicionais bairros dedicados a isso vêm desaparecendo com o avanço de novos projetos imobiliários em áreas antigas das cidades. A despeito de ocasionais batidas policiais, porém, nas sombras o negócio do sexo ainda prospera.

"Eu sei que não deveria fazer isso", diz a prostituta idosa e claudicante. "Mas ninguém diria que é melhor morrer de fome do que vir aqui."

A mulher, que vestia uma calça azul escuro e blusa xadrez, concordou em conversar com a Associated Press em um café próximo, depois de fracassar em atrair clientes, mas não quis revelar seu nome porque a família não sabe que é prostituta.

Ela começou a vender os energéticos Baccus 20 anos atrás. Cerca de dois anos depois, começou a vender sexo. Ela continua a fazê-lo para pagar por seu tratamento para artrite, que custa US$ 250 por mês.

Ela e o marido vivem com o filho, um operário mal pago, e a família dele, e dependem em parte de subsídios do governo. "Todas as mulheres aqui mantêm segredo sobre o que fazem, diante de suas famílias", ela disse.

Uma das mulheres diz que precisa de dinheiro para cuidar da mãe doente. Outra precisa de dinheiro para um filho deficiente. Uma é analfabeta. Algumas já não falam com seus filhos adultos. Outras são chinesas de etnia coreana que se mudaram para Seul em busca de uma vida melhor.

"É uma tragédia", diz a professora Lee. "É como se nossas mães fossem forçadas a erguer as saias para ganhar dinheiro porque os filhos não lhes dão comida".

De acordo com os ideais confucianos, os filhos devem amar os pais. Por séculos, os filhos mais velhos acolheram pais idosos em suas casas e cuidaram deles até a morte. Mas, com a modernização do país, as gerações mais jovens se mudaram para as cidades em busca de escolas e empregos, e muitos pais ficaram para trás na zona rural. Outros filhos simplesmente deixaram de tomar conta dos pais.

ENVELHECIMENTO

A Coreia do Sul tem uma das populações que envelhece mais rápido no planeta, mas seus sistemas de aposentadoria e previdência para os idosos ficam aquém dos demais países desenvolvidos. Quase metade dos sul-coreanos com idade de 65 anos ou mais têm renda inferior à metade da média nacional, e o índice de suicídios entre os idosos quase quadruplicou nos últimos 25 anos.

"Meus dois filhos levaram todo meu dinheiro. Comprei uma casa para o meu filho quando ele se casou, e gastei muito para casar minha filha", diz uma "dama de Baco" de 71 anos, divorciada, com quem converso na praça. "Agora não nos falamos mais. Estou sozinha há muito tempo".

A mulher, que também optou por não revelar seu nome por vergonha, disse que era prostituta há muitos anos. "No primeiro ano, me sentia realmente envergonhada", disse. "Não conseguia dormir bem porque me preocupava e achava que não deveria fazer o que faço. Mesmo hoje, não durmo muito bem".

A mulher, vestida em um conjunto escuro de duas peças e sapatos vermelhos, diz que há 10 dias não consegue um cliente —queixa frequente na praça, diante do desaquecimento da economia. "Algumas mulheres estão pulando uma refeição por dia. Como vão comprar comida se não conseguem nem pagar o aluguel?"

Ela disse que a maioria das mulheres da praça ganhava de 200 mil a 300 mil won (de US$ 168 a US$ 252) por mês, mas que as mais velhas às vezes cobram apenas 10 mil won (US$ 8) por sexo.

TÉDIO

Para os clientes, a questão muitas vezes é combater a solidão. Muitos homens idosos foram estimulados a sacrificar suas vidas pessoais em benefício de suas empresas, e a manter as emoções escondidas. Depois da aposentadoria, eles muitas vezes enfrentam dificuldade para ocupar seus dias.

Um homem divorciado de 78 anos disse à Associated Press que vem à praça do Piccadilly todos os dias para matar o tempo. Ocasionalmente vai a um beco silencioso com uma "dama de Baco" para conversar, e paga US$ 8 para tocar-lhe os seios e as mãos.

"Vivo sozinho há muito tempo, e esse tipo de coisa me refresca", disse o homem, que não tem qualquer contato com seus dois filhos adultos e as famílias deles. Ele se identificou apenas pelo sobrenome, Jung. No passado, pagava por sexo —30 mil won (US$ 25) pelas mulheres mais velhas e 50 mil won (US$ 42) pelas mais jovens.

ADVERTÊNCIA

Antes da ação policial, uma estação de metrô perto da praça e um parque público perto do templo confuciano de Jongmyo, que é parte da lista de patrimônio cultural da humanidade da Unesco, eram os pontos preferenciais para as "damas de Baco".

Depois das batidas ocasionais, as autoridades em geral liberam as mulheres detidas com uma advertência ou pequena multa, porque de acordo com a polícia elas estão velhas demais para recomeçar.

"Lamento muito por elas", disse um policial da área, que só se identificou pelo sobrenome, Jeong.

A professora Lee diz que a maioria das mulheres que entrevistou se envolveu inicialmente com prostituição trabalhando em bares de karaokê ou casas de chá, quando jovens. Algumas poucas —cinco ou seis— eram donas de casa comuns antes de se voltarem à prostituição já na velhice.

"Ninguém me disse que se tornou prostituta porque gosta", ela disse. "Será que isso é realmente um problema sujo dessas mulheres idosas ou um problema causado pelas pessoas comuns que as criticam? Creio que seja um problema da nossa sociedade".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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