Folha de S. Paulo


análise

Politicamente, Francisco tenta se mostrar um pai para todos

Que outro líder mundial seria capaz, em uma semana, de conquistar o homem da rua e os poderosos de dois países opostos em tudo como Cuba e Estados Unidos?

Qual é o segredo de Francisco, única pessoa que consegue ser aplaudido por 193 países na ONU e escutado com respeito pelo mais polarizado e rancoroso Congresso da história americana?

Não é por fugir de temas difíceis ou dizer coisas açucaradas. Seu discurso impacta todas as questões essenciais do nosso tempo e encontra sempre a síntese perfeita.

"Todo dano ao planeta é um dano à humanidade" pois "a sede egoísta e ilimitada de poder e prosperidade material acarreta o abuso dos recursos naturais e a exclusão dos fracos e desamparados".

"Em lugar de ter medo do número dos refugiados, devemos olhá-los como pessoas, fitando seus rostos e escutando suas histórias". Nas "atrocidades e reducionismos simplistas" das guerras do Oriente Médio, os homens de carne e osso devem ter precedência sobre "interesses políticos" das potências.

No país onde se ameaça expulsar 11 milhões de ilegais, apresenta-se como filho de imigrante. Nenhum contemporâneo tem como ele o dom de nos fazer tocar as feridas com amor e esperança, não repulsa ou desespero.

Como disse em editorial o "The New York Times", os discursos de Francisco, memoráveis pela paixão e nuance, interpelam rudemente a consciência dos ouvintes. O que fala, porém, mais alto são seus atos de coerência.

Após aplausos no Congresso, vai almoçar com os sem-teto. Da ONU, se dirige ao Harlem para ver as crianças excluídas. No Marco Zero, senta-se como igual ao lado de representantes de todas as religiões; cede a um jovem rabino o privilégio de cantar a mais bela oração do evento.

Suas ações são diretas e práticas: ajuda a promover o reatamento entre EUA e Cuba, apela a um jejum para evitar o bombardeio maciço da Síria, pede a cada paróquia e ordem religiosa que abrigue ao menos uma família de refugiados. Em meio a um deserto de líderes, de políticos medíocres, sem grandeza, que erguem muros contra gente desesperada, ele brilha como a consciência moral da humanidade.

Sem dinheiro nem armas, só dispõe do poder da palavra animada pela fé, do exemplo de pobreza, da opção pelas periferias do mundo e da vida. Fala das humildes tarefas do dia a dia, deseja um bom almoço de domingo, sabe rir, mostra que "a alegria do Senhor é nossa força". Pela misericórdia, pela "revolução da ternura", visita o fundo do coração de cada um.

Esse é o segredo de Francisco, que não faz proselitismo, para o qual a salvação começa aqui mesmo pelo esforço de dar teto, trabalho, terra aos sofredores.

Pessoas de qualquer fé se identificam com Francisco porque ele prega uma salvação universal, sem exclusões.

É um pai universal porque compreendeu como João 23 que "todos, batizados ou não, pertencem por direito a Jesus", que veio para salvar sem exceção a todos que buscam o caminho e a vida.

RUBENS RICUPERO foi embaixador do Brasil nos EUA (1991-93)


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