Folha de S. Paulo


Sequestro de 43 estudantes há um ano ainda assombra o México

Novas revelações, novos mistérios e mais manifestações marcam neste sábado (26) um ano da tragédia de Ayotzinapa, na qual 43 estudantes desapareceram e seis pessoas foram mortas em Guerrero, no México –um crime com envolvimento de policiais, autoridades e membros de um cartel do tráfico.

Embora as investigações apontem para várias hipóteses, até hoje o motivo do sumiço dos jovens não foi elucidado. Estão previstos protestos para este sábado na capital e em outras regiões do México, nos EUA e na Europa.

"A tragédia virou um marco por expor muitos componentes de uma realidade terrível. Temos aí a corrupção da política e da polícia regionais, a distância do governo federal, a pobreza e a presença do narcotráfico em regiões às quais o Estado não chega", disse à Folha o jornalista norte-americano Ioan Grillo.

Para intelectuais como Sergio Aguayo e Elena Poniatowska, Ayotzinapa entrará para a memória coletiva como o Massacre de Tlatelolco, quando o Exército reprimiu protesto estudantil às vésperas da Olimpíada do México, em 1968, matando centenas.

O aniversário coincide com a abertura de uma nova linha de investigação, baseada em relatório entregue ao governo no dia 6 por especialistas da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA).

O informe listou irregularidades na investigação, como uso de tortura na obtenção de depoimentos e destruição de provas. Acusado pelo texto de não atuar de modo ágil, o governo afirmou que dará atenção às denúncias.

"Com as novas evidências, temos mais elementos. O caso está aberto", disse o presidente Enrique Peña Nieto, que se reuniu na quinta (24) com familiares dos desaparecidos.

A principal revelação da comissão é sobre o destino dos corpos. O governo diz que os estudantes foram entregues por policiais corruptos ao cartel Guerreros Unidos, com anuência do prefeito. Teriam sido levados depois a um lixão em Cocula, onde foram mortos e queimados.

Os especialistas, porém, afirmam que não há evidências de incêndio no local.

DESAPARECIMENTOS NO MÉXICO

A comissão aponta ainda que, além dos quatro ônibus em que viajavam os desaparecidos, havia um quinto veículo –ele também teria sido interceptado, mas, diferentemente dos outros, desviado, sumindo da investigação.

A comissão sugere que os estudantes, de maneira desavisada, subiram nos veículos sem saber que levavam um carregamento de heroína. E que policiais e membros do cartel local tentavam, na verdade, recuperar a carga.

Guerrero é o Estado mexicano com mais plantações clandestinas de papoula, de cujo bulbo se extrai a pasta para fazer heroína, e laboratórios de produção da droga.

MAIS UM IDENTIFICADO

Na semana passada, as autoridades mexicanas revelaram que os restos encontrados num rio próximo a Iguala eram do estudante Jhosivani Guerrero de la Cruz, de 19 anos. Trata-se do segundo do grupo a ser identificado.

No começo do ano, os legistas estrangeiros que atuam com autoridades do país identificaram os restos de Alexander Mora Venâncio, 19.

"Os criminosos desta guerra atuam como se fazia nas ditaduras latino-americanas dos anos 70. Um corpo encontrado e enterrado traz paz aos familiares. Já um corpo desaparecido significa um terror constante", diz Ioan Grillo.

NÚMERO DE HOMICÍDIOS NO PAÍS

Em Guerrero, as manifestações já começaram. "Aqui as coisas estão muito tensas. Reforçamos a segurança", disse à Folha Alejandro Dorantes, membro da "polícia comunitária" de Tecoanapa.

"As pessoas estão cansadas. Os 43 são só a parte mais visível de tudo isso", conclui Dorantes.

Desde 26 de setembro de 2014, outras 292 pessoas desapareceram só em Guerrero.

Já desde que teve início o conflito entre as Forças Armadas e os cartéis da droga, em 2006, morreram 83 mil.

HOMICÍDIOS POR 100 MIL HABITANTES

Um ano do sumiço dos estudantes no México


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