Folha de S. Paulo


Encontro com empresária no debate pode ser traiçoeiro para Trump

Donald J. Trump criticou a aparência de Carly Fiorina, dizendo sobre a sua única rival republicana mulher: "Olhe aquela cara! Alguém votaria naquilo?". Ele disse que ouvir a voz de Fiorina lhe dá uma "enorme dor de cabeça". Zombou de sua carreira no mundo dos negócios e falou alegremente sobre como ela foi "brutalmente" demitida da Hewlett-Packard.

Na quarta-feira (16), Trump vai dividir o palco com Fiorina pela primeira vez, no segundo debate presidencial republicano.

Estrategistas políticos advertem candidatos do sexo masculino sobre a necessidade de cautela quando debatem contra um rival do sexo feminino. Mas quase nunca antes na política presidencial norte-americana um candidato que atraiu acusações de sexismo e bullying foi forçado a enfrentar pessoalmente a destinatária dos seus insultos ao vivo na televisão. E com o fato de que Fiorina está se gabando de conseguir incomodar Trump, o confronto entre os dois está sendo visto como um dos panos de fundo mais intrigantes do segundo debate.

Scott Olson/AFP
CLEVELAND, OH - AUGUST 06: Rebulican presidential candidate Carly Fiorina fields a question during a presidential forum hosted by FOX News and Facebook at the Quicken Loans Arena August 6, 2015 in Cleveland, OH. Seven GOP candidates were selected to participate in the forum based on their rank in an average of the five most recent national political polls. The top ten polling Republican candidates will participate in a debate following the forum. Scott Olson/Getty Images/AFP == FOR NEWSPAPERS, INTERNET, TELCOS & TELEVISION USE ONLY ==
Carly Fiorina, durante "série B" do debate presidencial promovido pela Fox News

No primeiro debate republicano no mês passado, Trump defendeu ter chamado as mulheres de "porcos gordos" e "animais repugnantes", e depois deu a entender que a moderadora, Megyn Kelly, da Fox News, lhe havia feito perguntas duras porque estava menstruada, um comentário que fez com que fosse desconvidado de um importante encontro conservador onde Fiorina fez um discurso empolgante.

Fiorina se destacou na "eliminatória" do primeiro debate republicano, e desde então subiu nas pesquisas para ganhar um lugar no palco principal com Trump. Mas a presença dos dois gerou inquietação —e muita curiosidade— em um partido ansioso em ameaçar Hillary Rodham Clinton e preocupado sobre como Trump se sairá ao debater contra uma mulher.

"Não vou chamá-la de meu bem", disse Trump em uma entrevista na semana passada. Mas acrescentou, sobre Fiorina: "Olha, ela só tem 3% nas pesquisas. Por isso, para obter reconhecimento, acho que ela vai começar a me bater. Então acho que posso atacar ela."

Trump disse que estava se preparando para criticar a trajetória —e não a aparência— de Fiorina, que foi demitida do cargo de presidente da Hewlett-Packard e, como Trump, nunca venceu uma eleição.

"Quero falar sobre sua história corporativa, seus fracassos na Hewlett-Packard", disse Trump. "E isso vai ser nocivo o suficiente para ela."

As regras usuais de decoro não vêm se aplicando a Trump até agora, cuja posição nas pesquisas só aumentou depois dos comentários incendiários sobre mulheres, imigrantes e o passado de guerra do senador John McCain. Mas enquanto seu escárnio de dois adversários —Jeb Bush ("pouca energia") e o governador Scott Walker de Wisconsin ("governador fracassado")— coincidiu com o declínio deles nas pesquisas, Fiorina ganhou terreno quando Trump distribuiu insultos sobre ela.

Fiorina respondeu aos comentários de Trump na revista "Rolling Stone" ("Você pode imaginar que aquela seja a cara do nosso próximo presidente?") ao dizer à Fox News que "talvez, apenas talvez, eu esteja começando a incomodá-lo um pouco porque estou subindo nas pesquisas".

Por fim, Trump disse que estava se referindo à "persona" de Fiorina quando fez as declarações sobre o seu rosto.

QUESTÕES DE GÊNERO

Fiorina, de 61 anos, disse que, por ser uma mulher bem sucedida, "ou você é uma bonita burra ou aquela palavra com p" e que "não existem barreiras invisíveis". Muitas vezes, ela assume a defensiva quando indagada sobre se seu gênero a ajudou a avançar, e ainda assim conseguiu garantir sua posição como a única mulher no campo republicano de 16 pessoas.

Fiorina começou sua candidatura de azarão tendo Clinton como alvo direto, mas agora parece pronta para ser a melhor candidata capaz de fazer aflorar o lado de Trump que atraiu acusações de misoginia —uma tática que alguns republicanos esperam que Fiorina adote na quarta-feira.

"Em vez de bloqueá-lo, há uma maneira de acariciar a cabeça do coitado do Donald, o porco chauvinista", disse Rob Stutzman, um estrategista republicano em Sacramento, Califórnia.

Trump disse que não iria ser chauvinista.

"Eu não faria isso. Não vou fazer isso", disse ele. "Embora, se fizesse —bem, as pessoas só iriam me bater com o politicamente correto, algo do qual, novamente, elas já estão muito cansadas."

No primeiro debate-eliminatória, Fiorina parecia preparada e calma sob pressão. Seus rivais a trataram a maior parte do tempo com respeito ou deferência, mas as apostas serão maiores na quarta-feira. Fiorina e seus partidários pressionaram a CNN agressivamente para alterar seus critérios de escolha de candidatos para o próximo debate republicano e garantiram um lugar para ela no palco principal.

"Esse vai ser um momento decisivo na carreira de Carly", disse Boris Feldman, advogado do Vale do Silício e um dos seus apoiadores.

"O que está vendendo entradas para o debate é o confronto Trump-Carly", disse. "Trump tem uma coisa de achar que ninguém o questiona, principalmente uma mulher."

Feldman e outras pessoas próximas a Fiorina esperam que ela retrate Trump como alguém que não é um verdadeiro republicano e evidencie suas posições inconsistentes sobre questões econômicas e sociais.

RISCO

Debater com candidatos do sexo feminino pode ser perigoso até mesmo para homens que não têm a reputação de Trump por insultar as mulheres, o que inclui chamar uma advogada de "nojenta" depois de ela ter pego um extrator de leite e fazer piadas sobre sexo oral com uma concorrente do programa "The Celebrity Apprentice", da NBC.

Quando Joe Biden, senador à época, se preparava para seu debate vice-presidencial contra a governadora Sarah Palin, do Alasca, em 2008, ele recebeu algumas regras muito claras de seus conselheiros, de acordo com várias pessoas que o ajudaram: não a corrija, não a menospreze, não zombe dela nem a diminua.

"Carly Fiorina é uma debatedora melhor do que a governadora Palin, e ela tem uma grande capacidade de desafiar Donald Trump", disse a ex-governadora Jennifer M. Granholm, de Michigan, que fez as vezes de Palin nas sessões de debate simulado de Biden.

O plano de Trump de atacar a trajetória corporativa de Fiorina poderia causar uma impressão eficaz. Os eleitores sabem pouco sobre as demissões durante o seu turbulento mandato na Hewlett-Packard ou sobre seu pacote de indenização de US$ 21 milhões, algo que a senadora Barbara Boxer, da Califórnia, destacou em sua competição para o Senado em 2010. Boxer derrotou Fiorina por 10 pontos percentuais.

"Eles vão entender bastante rápido que ela é a cara da desigualdade de renda e da ganância de Wall Street", disse Boxer em uma entrevista. (Fiorina disse que as demissões e sua saída foram marcas da liderança ousada.)

Deborah Bowker, amiga próxima e assessora de Fiorina, disse que depois de anos rodeada por homens, no mercado corporativo norte-americano, Fiorina não se intimidou com Trump.

"Essa não é a primeira vez que ela enfrenta alguém que faz um comentário sem sentido", disse Bowker. "Ela recebeu comentários sobre a sua aparência, suas roupas, o que for."

Esse é pelo menos um ponto em que Trump e Fiorina podem estar de acordo. "Acho que ela é uma mulher forte", disse ele na entrevista na semana passada. "Ela pode lidar com qualquer crítica e pode se defender."

Tradução de DENISE MOTA


Endereço da página:

Links no texto: