Folha de S. Paulo


Desafio da Europa é buscar solução sustentável para crise de refugiados

Pedidos de asilo

A repercussão mundial da imagem do corpo do menino sírio Aylan Kurdi, 3, numa praia da Turquia, elevou a pressão sobre líderes da Europa, que responderam nos últimos três dias prometendo fazer mais para conter a crise de refugiados.

O presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, pediu que sejam acolhidos 100 mil refugiados. A ONU disse que o bloco deveria receber 200 mil. Segundo a OIM (Organização Internacional para as Migrações), 360 mil pessoas já chegaram à Europa neste ano.

O desafio maior para a UE é encontrar uma solução urgente, mas que seja sustentável a longo prazo.

O limite para a acolhida, com seu impacto futuro, é um dos principais pontos de discussão. A Alemanha, por exemplo, já disse que "no longo prazo, 800 mil refugiados [a estimativa de pedidos de asilo para este ano no país] são demais".

Pedidos de asilo - Entre 2011 e 2014, em milhares

A especialista em políticas de imigração Christina Boswell, da Universidade de Edimburgo, lembra que, como signatários da Convenção de Genebra sobre refúgio, os países europeus não podem estabelecer limites para receber refugiados.

"Se as pessoas atendem à definição de refugiado, que é de uma pessoa que foge de algum tipo de perseguição, então eles devem receber asilo", diz Boswell.

"Alguns argumentam que o limite pode ser justificado por questões de segurança nacional -por exemplo, se o fluxo de refugiados ameaçasse a segurança do país que os recebe. Mas esse extremo não chegou a acontecer até hoje num país europeu."

Para Mollie Gerver, especialista do Departamento de Governo na London School of Economics, é claro que a Europa deve receber "o máximo de refugiados que puder sem sacrificar suas instituições e sua infraestrutura de bem-estar social". "E esse número é certamente muito maior do que a Europa está aceitando atualmente", diz.

No próximo dia 14, ministros do bloco se reunirão para, mais uma vez, tentar chegar a uma política comum para lidar com o fluxo de refugiados. Na mesa, estarão temas como o estabelecimento de cotas de refugiados por país e política de retorno para imigrantes que não se enquadram como refugiados.

Prisões por permanecer ilegalmente nos países da UE -

'COMÉRCIO DE COTAS'

Em junho, as cotas —defendidas por Berlim e Paris— já foram rejeitadas por países como a Eslováquia e a Hungria, cujo premiê declarou, na última semana, que a crise é um "problema da Alemanha".

Para Gerver, uma opção seria o estabelecimento de um "comércio de cotas". "Ele poderia assegurar que os Estados que queiram receber menos refugiados paguem por esse 'privilégio'. Na teoria, isso encorajaria também quem recebe menos refugiados a aceitar mais pessoas, sabendo que serão recompensados", diz.

Os países europeus têm sido o destino de imigrantes e refugiados em sucessivas crises nos últimos anos —desde o fluxo gerado, na década de 90, com o fim da União Soviética e o conflito nos Bálcãs, até, mais recentemente, grupos fugindo da guerra no Afeganistão, da ditadura na Eritreia, de disputas internas na República Democrática do Congo, do conflito na Ucrânia.

"A Europa lidou com isso de várias maneiras. No caso dos Bálcãs, por exemplo, garantindo proteção temporária até que as condições em seus países de origem permitissem que eles começassem a retornar", diz John Salt, especialista da Unidade de Pesquisa em Migrações da University College London.

Kosovo, Sérvia e Albânia, no entanto, ainda estavam no ano passado entre os dez principais países de origem dos solicitantes de refúgio na Alemanha, França e Suécia.

REFÚGIOS ACEITOS

Cerca de 1,97 milhão de pedidos de asilo foram feitos nos 28 países da UE de 2011 até abril de 2015. A Alemanha foi a que mais recebeu, com 460 mil neste período.

Os 262,5 mil refúgios concedidos entre 2011 e 2014, contudo, representam apenas 15% de todos os pedidos feitos. Alemanha e Reino Unido —não por acaso dois dos destinos mais procurados pelos estrangeiros- concederam refúgio em, respectivamente, 20% e 36,5% dos casos analisados em 2014.

A Hungria, por sua vez, analisou só 12% de todos os 42,7 mil pedidos feitos em 2014 e concedeu apenas 240 status de refugiados —o equivalente a 4,5% das solicitações avaliadas.

Como o país é a porta de entrada para muitos dos que chegam à UE, os estrangeiros deveriam iniciar o processo de refúgio na Hungria, segundo as regras do espaço Schengen.

No entanto, a grande maioria dos sírios e afegãos que ingressam pelo país tentam desesperadamente embarcar em trens rumo à Alemanha ou cruzar o país à pé até a fronteira com a Áustria.

RETORNO

Para a Alemanha, não é possível discutir a recepção de mais refugiados sem prever a "devolução" de imigrantes que não se enquadram no perfil de refugiado. Na mira estão principalmente os grupos que vieram dos Bálcãs.

Philippe De Bruycker, vice-diretor do Centro de Política de Migração do European University Institute, em Florença, diz que o chamado retorno precisa ser parte da solução europeia. "O problema é que muitos países simplesmente não conseguem pôr em prática o processo de retorno, que é extremamente burocrático e caro", observa.

Nos últimos quatro anos, a Europa já enviou de volta mais de 1 milhão de imigrantes, sendo 252 mil só em 2014. Albaneses, paquistaneses e ucranianos representaram 28% dos expulsos.

Número de refugiados sírios** - Em milhares

VIZINHOS

Um dos argumentos dos especialistas para dizer que a Europa não chegou ao seu limite é a quantidade de refugiados que os países vizinhos à Síria comportam.

Os 28 países da UE receberam, desde 2011, 1,97 milhão de pedidos de asilo, praticamente a mesma quantidade de refugiados sírios que vivem hoje na Turquia —1,94 milhão.

O número não representa nem 0,5% da população de 508 milhões do bloco.

"No Líbano, o número de refugiados representa 25% da população. Isso significa que você teria que ter 125 milhões de refugiados na UE para atingir o nível de pressão do Líbano", diz De Bruycker.

Para Gerver, os europeus, contudo, não devem seguir o exemplo da Turquia e manter os refugiados em campos. "Um dos desafios da situação na Turquia é que os refugiados estão confinados em campos, sem poder trabalhar. Os campos custam dinheiro do Estado e, se os refugiados não estão trabalhando, eles não estão contribuindo com impostos."


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