Folha de S. Paulo


Refugiado sírio no Brasil trabalhou na Copa e se tornou professor

O sírio Ali Jeratli, 27, aterrissou em Cumbica há um ano e meio sem falar a língua local, sem conhecer ninguém no Brasil e sem lugar para dormir. Desde então, vivendo em São Paulo, trabalhou como tradutor na Copa do Mundo e dá aulas de inglês em uma escola de idiomas que emprega professores refugiados como ele. Ele contou sua saga —em português— à Folha.

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Sou de uma cidade no centro do país, Salamiyah, perto de Homs. Fui para Damasco estudar e me formei em hotelaria, enquanto trabalhava no Four Seasons. Fiquei sete anos naquele hotel. Saí da Síria porque não tinha emprego. Com a guerra, os turistas sumiram, e os hotéis começaram a fechar.

Me mudei para Erbil, no Iraque, onde trabalhei por um ano. Tentei levar minha família junto, mas o custo de vida era muito alto –o aluguel de um apartamento lá custa US$ 800 por mês, que era tudo o que eu ganhava.

Eduardo Anizelli/Folhapress
SAO PAULO, SP, BRASIL, 22-08-2015, 15h00: Retrato de Ali Jeratli, refugiado sirio que vive no Brasil e se tornou professor de ingles na escola de linguas da ONG Abraco Cultural. (Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress, MUNDO) ***EXCLUSIVO***
Ali Jeratli, refugiado sírio que trabalhou na Copa do Mundo e se tornou professor em São Paulo

Fui então para a Turquia, onde fiquei dois meses. Tentei visto para a Europa, mas não consegui. Em compensação, dois dias depois do meu pedido, saí do consulado em Ancara com o meu visto para o Brasil. Viajamos pra cá eu e um amigo, também sírio, que eu havia convencido a embarcar comigo na véspera.

Não conhecia ninguém aqui. Quando aterrissei em Guarulhos, usei a uma hora de wi-fi grátis que o aeroporto dá para encontrar um lugar para dormir. Vim para um hotel em Santa Cecília, que foi o mais barato que encontrei.

No dia seguinte, comecei a procurar emprego.

Também comecei a aprender português, que eu não falava. Entrei para muitas igrejas [que providenciam aulas de idioma]. Eu ia na mesquita também, mas só de vez em quando... [risos]. Eu também sempre levava comigo um caderno e anotava qualquer palavra que eu ouvia ao meu redor.

Num dia muito frio, eu estava no metrô, de camiseta. Uma pessoa do meu lado me perguntou: "Não sente frio?". "Não, não [sou] brasileiro", respondi. Ela me perguntou de onde eu vinha.

"Você fala árabe?". Sim, respondi, falo árabe, inglês, um pouco de francês, turco... a pessoa me puxou e falou para eu acompanhá-la. Depois descobri que ela estava me levando para uma entrevista de emprego.

Fiz a entrevista e, só depois que me disseram que eu passei, descobri que ia trabalhar para a Fifa, como tradutor, durante a Copa do Mundo. Foram 40 dias de trabalho, no total. Eu nem conseguia acreditar. "Pela primeira vez realizo um sonho na minha vida", pensei.

Ligo para meus pais na Síria todo dia. Quero trazer minha família pro Brasil, mas ela é muito grande —são 18 tios. Oito primos meus morreram, e tem outro que ninguém sabe onde está, desapareceu.

Acho que perdi uns 65 amigos e conhecidos. Como Salamiyah é uma cidade pequena, todo mundo se conhece, todo mundo sabe da vida um do outro. Muitos morreram na Síria, mas também em outros lugares, inclusive tentando atravessar para a Europa.

Até agora, estou achando os brasileiros muito legais. Todo mundo me ajuda quando eu peço, ninguém me discrimina por ser estrangeiro.

Trabalhei em muitos lugares diferentes, fazendo bicos e, entre outras coisas, dando aulas particulares de inglês. Foi assim que encontrei a Abraço Cultural. Estou muito animado para começar a dar aula, aqui parece tudo muito legal.


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