Folha de S. Paulo


Livro explica como EUA criaram espaço para Estado Islâmico

Em junho de 2014, o Estado Islâmico entrou no radar da mídia ocidental ao tomar em menos de 24 horas Mossul, a segunda maior cidade do Iraque, e impor sua violenta versão da lei islâmica.

A facção vinha crescendo desde 2010, mas fora subestimada pela maior parte dos analistas, que a consideravam uma milícia radical isolada e fadada a desaparecer.

Hoje, o EI controla uma área equivalente à Itália (cerca de 300 mil km²) no noroeste do Iraque e nordeste da Síria. Tem de 30 mil (estimativa da CIA) a 100 mil (estimativa deles) combatentes. Escraviza sexualmente mais de 2.000 mulheres da etnia yazidi no Iraque. Ganha destaque na mídia ao decapitar ou matar prisioneiros em vídeos.

Trata-se do movimento terrorista islâmico mais bem sucedido da história: mais violento, mais eficaz e maior que a Al Qaeda. Está mudando radicalmente o equilíbrio das forças políticas do Oriente Médio. E é um dos motivos para o êxodo de sírios que vem comovendo o mundo.

"A Origem do Estado Islâmico –o fracasso da 'guerra ao terror' e a ascensão jihadista", do veterano Patrick Cockburn (Autonomia Literária, 2015), é obrigatório para entender de onde veio o EI e porque é tão difícil contê-lo. O livro mostra como a guerra do Iraque, iniciada em 2003, e a guerra civil síria, desde 2011, deram origem a ele.

SECTARISMO

Ninguém melhor para ajudar a montar esse quebra-cabeça que o irlandês Cockburn, correspondente de guerra do jornal "The Independent" no Oriente Médio desde 1991 e tido como "o melhor jornalista ocidental cobrindo o Iraque hoje" pelo grande Seymour Hersh.

O livro deixa claro que nenhuma campanha de ataques aéreos dos americanos e seus aliados vai derrotar o EI se não forem equacionadas as questões sectárias que permitiram a expansão da facção.

No Iraque, a maioria da população é xiita e era reprimida quando o ditador sunita Saddam Hussein governava.

Os americanos invadiram o país em 2003 e depuseram Saddam. Após a retirada americana, em 2011, o ex-premiê Nouri al-Maliki, xiita, passou a perseguir sunitas.

Descontentes, os iraquianos sunitas apoiaram o avanço do EI, embora posteriormente muitos tenham se voltado contra suas práticas.

Enquanto isso, na Síria, a Arábia Saudita, Turquia e Catar, rivais do Irã, começaram a armar a oposição para combater o ditador Bashar al-Assad. Assad é alauíta (ramo do xiismo) e alinhado ao Irã.

Logo ficou claro que, ao apoiar a oposição supostamente moderada na Síria, as potências estrangeiras enviaram armas e recursos que cairiam nas mãos de radicais como a Frente al-Nusra e o EI.

Ou seja: EUA, UE, Turquia, Arábia Saudita e Qatar criaram condições para o EI ao sustentarem o levante sunita sírio, que se espalhou para o Iraque, explica Cockburn.

O jornalista cita a candura habitual do vice-presidente dos EUA, Joe Biden, que afirmou, sobre a política norte-americana de recrutar "moderados" sírios para lutar tanto contra o EI como contra Assad.

"Os Estados Unidos descobriram não haver [um] centro moderado na Síria, porque os moderados são compostos de comerciantes, não de soldados."

Além de ser testemunha de muitos dos episódios narrados no livro, Cockburn também faz análises muito lúcidas sobre a situação política.

Aponta para o fato de que os maiores patrocinadores de movimentos islâmicos violentos no mundo, Arábia Saudita e Paquistão, são mantidos como aliados pelos EUA.

A Arábia Saudita dissemina o wahabismo, variante fundamentalista do islamismo que deu origem ao fanatismo da Al Qaeda e do EI e que o jornalista considera "um dos movimentos mais perigosos da nossa era".

A edição brasileira tem alguns problemas de tradução e léxico, como falar em "milícias curdas yazidi" (não são milícias) e trocar graduação por "grau". Mas as falhas não comprometem o livro.

A ORIGEM DO ESTADO ISLÂMICO'
QUANTO: R$ 40,00
AUTOR: PATRICK COCKBURN
EDITORA: AUTONOMIA LITERÁRIA (206 PÁGS.)


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