Folha de S. Paulo


Guatemala vive sua pior crise política desde o fim da guerra civil, em 1996

A uma semana das eleições presidenciais, a Guatemala vive sua mais tensa crise política desde o fim de uma guerra civil que se estendeu de 1960 a 1996.

A mulher que ocupava o cargo de vice-presidente até maio, Roxana Baldetti, foi presa na semana passada. Quatorze ministros renunciaram.

Enquanto isso, o Congresso discute a retirada da imunidade do presidente conservador Otto Pérez Molina, 64, para que responda a um processo de impeachment –medida já aprovada pela Corte Suprema.

Nas ruas das principais cidades, milhares de pessoas vêm se manifestando sob os gritos de guerra: "Guatemala não tem mais governo" e "Renuncie Já".

Os principais empresários do país entregaram uma carta a Pérez Molina, pedindo que se retirasse. O mandato do presidente vai até janeiro –não há reeleição na Guatemala.

O estopim da crise foi a denúncia realizada pela Promotoria de um escândalo de corrupção envolvendo desvio de verbas alfandegárias.

A investigação foi feita pela Comissão Internacional contra a Impunidade na Guatemala –uma agência de investigação independente, criada pelo governo em parceria com as Nações Unidas, em 2007, e composta por cidadãos guatemaltecos e estrangeiros.

Luis Echeverria/Xinhua
Manifestantes protestam na Cidade da Guatemala pedindo a saída do presidente Otto Pérez Molina
Manifestantes protestam na Cidade da Guatemala pedindo a saída do presidente Otto Pérez Molina

Segundo a denúncia, o esquema foi responsável pelo desvio de 50% dos impostos que o Estado deveria receber por importações.

"As pessoas confiam por se tratar de uma comissão de especialistas sem vínculos partidários", diz à Folha o analista político Martín Pellecer.

Em vídeo divulgado no início da semana, Pérez Molina disse que não renunciará e que considera "inaceitável que se pretenda instalar uma estratégia intervencionista que tem como objetivo ditar o que devemos fazer e acabar com nossa democracia".

Além da ex-vice, acusada de receber US$ 3,7 milhões, outros membros da cúpula do governo enfrentam processos.

Baldetti foi presa por temor da Justiça de que pudesse deixar o país, já que possui cidadania italiana.

ECONOMIA

A Guatemala é a maior economia da América Central, com perspectiva de crescimento de 4,2% do PIB em 2015.

Exporta principalmente commodities aos EUA e a países asiáticos.

Nos últimos anos, passou a Costa Rica em investimento estrangeiro (US$ 2,2 bilhões), principalmente voltado à urbanização do país (ainda um dos mais rurais da América Latina, com apenas 55% da população vivendo em cidades).

"É um tempo turbulento, que diz muito sobre a fraqueza das instituições guatemaltecas e que deixa investidores apreensivos", diz Sofia Rada, do Conselho de Assuntos Hemisféricos.

"Vendemos commodities variadas, mas como nenhuma delas representa mais de 10% das exportações, pudemos manter as vendas mesmo em períodos difíceis. O que não resolvemos foi a desigualdade social. O que vemos nas ruas agora é sinal de que esse problema não foi resolvido", diz à Folha o economista Quique Godoy.

ELEIÇÃO

A crise fez embolar a eleição presidencial, marcada para 6 de setembro.

O candidato apoiado por Pérez Molina e até aqui favorito, Manuel Baldizón, tem 30% das intenções, ante 20% do opositor, o independente Jimmy Morales, um popular apresentador de televisão que tem feito das denúncias de corrupção sua principal bandeira.

Há algumas semanas, a Corte Suprema pediu o fim da imunidade do vice de Baldizón para que respondesse também a acusação de desvio de verbas.

Sem vice, a candidatura de Baldizón pode ser impugnada.


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