Folha de S. Paulo


Negociador de confiança de Obama crê em acordo global sobre clima

Ernest Moniz, secretário de Energia dos EUA, tornou-se uma das estrelas do gabinete de Barack Obama como a cara de duas das prioridades do presidente americano: as mudanças climáticas e o acordo nuclear com o Irã.

Uma cara inconfundível, pelo cabelo longo grisalho que transformou esse neto de imigrantes portugueses dos Açores em figura "cult" na internet e em programas de TV.

Jonathan Ernst/Reuters
O secretário de Energia dos EUA, Ernest Moniz, fez parte das negociações para acordo nuclear com o Irã
O secretário de Energia dos EUA, Ernest Moniz, fez parte das negociações para acordo nuclear com Irã

Para além da aparência, porém, o que o catapultou como um dos homens fortes de Obama foi a rara combinação entre conhecimento científico e habilidade para navegar na turbulenta política de Washington. Físico nuclear, Moniz, 70, ganhou reputação de cientista brilhante numa longa carreira no prestigiado Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).

Na capital americana, acumulou experiência política exercendo dois altos cargos no governo do presidente Bill Clinton, antes de ser nomeado secretário de Energia, há dois anos. Desde então, tem colocado suas credenciais científicas a serviço de iniciativas caras ao presidente Obama e que enfrentam enorme resistências.

Uma delas é o Plano de Energia Limpa, anunciado no início deste mês, o mais ambicioso dos EUA até hoje para enfrentar as mudanças climáticas. Outra é o acordo das potências mundiais com o Irã, que ajudou a negociar ao lado do secretário de Estado, John Kerry, para restringir a capacidade nuclear da república islâmica.

Quando o governo foi defender a iniciativa no Congresso americano, controlado pela desconfiada oposição republicana, coube a Moniz fornecer a garantia científica de que o acordo fecha todos os caminhos para que o Irã construa a bomba atômica.

Além de ser um dos principais porta-vozes de Obama na campanha para evitar que o acordo nuclear naufrague no Congresso americano, Moniz tem no topo de sua agenda a busca de um consenso internacional para a Conferência do Clima em Paris, no fim do ano, onde espera que sejam estabelecidas metas ambiciosas de redução de emissões, para conter mudanças climáticas.

Moniz é casado há mais de 40 anos com a brasileira Naomi Haoki, ex-diretora do departamento de português da universidade Georgetown, em Washington.

Ele afirma que a proximidade com o Brasil não altera sua expectativa em relação ao país, mas que ainda espera que o governo brasileiro anuncie metas de cortes de emissão antes da conferência (segundo a presidente Dilma, elas serão anunciadas em setembro, durante a Assembleia Geral da ONU).

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Folha - A três meses da Conferência do Clima de Paris, o Brasil ainda não estabeleceu metas para o corte de emissões de gases-estufa. Isso preocupa o governo americano?

Ernest Moniz - É preciso contextualizar. O Brasil conseguiu reduzir suas emissões nos últimos dez anos, um feito em grande parte ligado à [queda no desmatamento da] Amazônia. Esperamos que o Brasil ainda estabeleça uma meta formal antes de Paris.

Foi importante o compromisso assumido pela presidente Dilma Rousseff com um reflorestamento substancial e com a adoção de uma parcela de aproximadamente 30% de fontes renováveis, adicionalmente à hidrelétrica. Trabalharemos juntos para avançar em áreas como padrões de tecnologia na indústria. Os passos mais importantes foram dados e creio que o Brasil irá reuni-los em uma meta específica.

Como evitar em Paris a repetição do fracasso ocorrido na Conferência de Copenhague, em 2009?

Acho que os resultados de Copenhague são um pouco mais complexos do que simplesmente chamá-los de fracasso. A realidade é que o acordo de Copenhague colocou em prática muitos dos princípios que estão sendo seguidos. Introduzimos pela primeira vez o princípio de adaptação, por exemplo.

Hoje há muito mais otimismo do que havia um ano atrás sobre Paris. Em grande parte isso se deve ao anúncio de metas de cortes feito pelos presidentes Obama e Xi [Jinping, da China]. Acho que ele pegou muita gente de surpresa positivamente e mostrou a seriedade dos dois maiores emissores do mundo.

Se pudermos ter grandes economias como Brasil, Japão e União Europeia trabalhando juntas, poderemos sair de Paris com chances razoáveis de atingir metas agressivas e de longo prazo.

O Brasil vive grave crise política; já os EUA têm um Congresso com maioria da oposição republicana. Como superar as resistências domésticas para avançar as metas climáticas?

Sobre as dificuldades no Brasil, prefiro não comentar. Espero que o país como um todo se comprometa com um futuro de energia limpa.

Nos EUA é muito simples. O presidente Obama deixou claro que, se o Congresso ainda não estivesse pronto para trabalhar junto em uma visão ampla de economia voltada para a mudança climática, nós iríamos em frente usando nossa autoridade executiva, e é o que estamos fazendo. Até 2030 esperamos que os padrões que estamos estabelecendo cortem cerca de 3 bilhões de toneladas de CO‚. Um de nossos focos será em inovação tecnológica, porque ela é que reduzirá os preços de tecnologias de baixa emissão de carbono.

Isso exigirá participação do mundo inteiro. Para os países em desenvolvimento, será muito mais fácil aderir a metas mais agressivas para conter as mudanças climáticas se reduzirmos os preços da inovação tecnológica.

O fato de sua mulher ser do Brasil influencia sua visão sobre a ação climática no Brasil? Torna o senhor mais duro -ou mais suave- com o país?

Não. Eu gosto muito do Brasil, minha mulher é de Pindamonhangaba [no interior de São Paulo], mas só estou fazendo o meu trabalho como secretário de Energia.

Gostaríamos de aumentar a cooperação com o Brasil. Já mencionei algumas áreas de cooperação, mas há outras, como biocombustíveis. Nossa cooperação científica é muito importante.

O departamento de Energia patrocina um projeto da Amazônia azul [termo que designa a plataforma continental do Brasil], temos estações de observação em colaboração com o Brasil, incluindo um avião para medições atmosféricas relevantes para a mudança climática. Uma das coisas que me deixam muito animado é que teremos colaboração em centros de pesquisa de energia. Temos 37 centros, centrados nas fronteiras científicas em tecnologias energéticas, e isso será ligado ao programa Ciência sem Fronteiras.

Com o aumento da produção de gás de xisto nos EUA, cai o interesse americano em parcerias energéticas no Brasil?

Não esqueça que também há a perspectiva de exploração de xisto no Brasil. Uma das áreas de potencial colaboração é justamente a produção de gás não convencional.

Sobre combustíveis renováveis, há muitas opções, mas claramente biocombustível é um grande exemplo. EUA e Brasil são os maiores produtores de biocombustíveis do mundo e uma área específica de colaboração é a de biocombustível para aviação.

Uma das principais críticas ao acordo nuclear com o Irã, que o senhor ajudou a negociar, é o prazo de até 24 dias para haver inspeções em instalações caso haja suspeitas. Qual a garantia de que as inspeções funcionarão?

O acordo é forte em prevenir o desenvolvimento de uma arma nuclear no Irã. Não só os EUA dizem isso. Rússia, China, Reino Unido, Alemanha, União Europeia, todos concordam que este é um acordo muito forte.

Há alguns dias foi enviada uma carta de apoio ao presidente Obama assinada por 29 físicos proeminentes, em que afirmam que esse mecanismo é importante e confiável. É bom lembrar que o protocolo adicional da AIEA [Agência Internacional de Energia Atômica], aplicável a todos os signatários, dá acesso a instalações suspeitas, mas não menciona nenhuma limitação de tempo. Ou seja, a AIEA pode pedir acesso a qualquer signatário em 24 horas, mas o país envolvido pode basicamente arrastar o processo para sempre.

O ponto que temos que enfatizar é que esta é a a primeira vez em que foi estabelecido um prazo fixo para um país dar acesso e, neste caso, é de até 24 dias.

Não posso dar detalhes, mas fizemos experimentos que nos deixam plenamente confiantes em nossa capacidade de encontrar rastros [de atividades nucleares proibidas], caso o Irã tente ocultá-los.


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