Folha de S. Paulo


Mulheres angolanas lutam para reverter prisão de ativistas

Há dois meses um grupo de mulheres angolanas se mobiliza para tentar sensibilizar a população do país africano sobre a prisão de 15 ativistas, acusados de tramar a derrubada do presidente José Eduardo dos Santos, no poder há 36 anos.

A estratégia lembra a das Mães da Praça de Maio argentinas, inspiração para as mães, mulheres e irmãs dos jovens entre 18 e 37 anos, mantidos em celas solitárias desde junho.

A prisão dos 15 é vista como o mais duro ato do governo contra a frágil oposição no país em muitos anos.

O grupo foi preso quando a polícia invadiu uma casa em que se reuniam na capital, Luanda. Na maioria estudantes, professores e jornalistas, eles formavam uma espécie de coletivo para discutir estratégias contrárias a Santos. Segundo os ativistas, tramavam apenas manifestações pacíficas.

Uma das provas apresentadas pela polícia foi a presença no local do livro "Da Ditadura à Democracia", do americano Gene Sharp, espécie de Bíblia mundial dos ativistas, muito apreciada durante a Primavera Árabe. Especula-se que o medo de uma Primavera Angolana, num país em crise econômica, tenha levado o governo a agir.

A tarefa de chamar a atenção da população num país onde imprensa, cortes e sociedade civil são dominados pelo Estado é das mais difíceis. "Queremos que a comunidade internacional pressione, só assim o governo ouve", diz Marcelina de Brito, cujo irmão, o professor secundarista Inocêncio, 29, é um dos presos.

Na última quarta-feira (19), a Folha conversou com parentes de cinco dos ativistas, numa casa num bairro residencial de Luanda. Elas relatam dificuldades para encontrar os presos e dizem que passam por dificuldades financeiras, já que todos perderam seus empregos. "Estamos a viver de esmolas", afirma Esperança Gonga, mulher do professor e jornalista Domingos da Cruz, 31, com quem tem dois filhos pequenos.

A maioria está em presídios distantes de Luanda, o que torna mais complicado e custoso o deslocamento nos dias de visita, uma vez por semana. O acesso é restrito a menos de uma hora, nunca com privacidade. "Temos de falar baixinho", afirma Gonga.

Outros problemas são o pouco tempo de banho de sol, às vezes de meros 15 minutos por dia, a comida ruim e a falta de higiene nas celas.

'DEPRIMENTE'

As mulheres levam alimentos, mas esbarram na burocracia. "Tem dia que pode levar leite, tem dia que não pode. Não há regra nenhuma. Há só maquiavelismo", diz Gonga.

Reprodução/Facebook
O angolano Nito Alves, detido pelo governo de Angola em junho. Credito:Facebook/Reproducao ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
O ativista angolano Nito Alves, outro dos detidos pelo governo; em carta, escritores pedem libertação

O estado deles, segundo as mulheres, é "deprimente". "Ele chora o tempo todo", diz Elsa Caholo, irmã de Osvaldo, 26, tenente da Força Aérea cuja presença no grupo está sendo especialmente explorada pelo governo, como indício de um componente militar na suposta conspiração. "

O governo afirma que o grupo tinha planos de convocar uma "insurreição". "As consequências desta rebelião seriam incalculáveis. Seria como uma bola de neve. Inicialmente podia ser que nada acontecesse, mas também podia acontecer tudo e, como se diz, mais vale prevenir do que remediar", disse o vice-procurador-geral da República, Hélder Grós.

Desde junho, as mulheres já fizeram duas manifestações em Luanda, ambas reprimidas pela polícia. "Vieram com porretes, soltaram os cães em cima de nós", diz Caholo.

No próximo dia 28 pretendem fazer mais uma, e para isso pediram aval do governo da capital, alinhado ao presidente. Mas a autorização foi negada, sob o argumento de que o horário marcado, às 15h, causaria muito transtorno para a cidade. Os advogados dos presos entraram com habeas corpus, ainda não julgado.

CORRUPÇÃO

A restrita parcela da população que acompanha o caso se pergunta como um punhado de jovens teria força para derrubar um presidente que tem a lealdade dos militares. Mais provável, apontam as mulheres, é que o governo esteja usando subterfúgios para ofuscar casos de corrupção, um dos grandes motivos de insatisfação no país.

"Querem abafar a roubalheira. E por isso põem em risco a vida deles", afirma Gonga.

Outra preocupação do governo é evitar manifestações pela crise. Angola sente os efeitos da queda do petróleo, responsável por 80% do PIB. O país chegou a crescer dois dígitos na década passada, mas o índice em 2015 será de menos de 4%. O dólar disparou e, em uma economia à base de importados, o reflexo na inflação já está sendo sentido.

"Sei que meu irmão está sofrendo, mas ele não demonstra. Não se pode mostrar fraqueza para esse regime ditatorial", afirma Gonga.

Consultado na semana passada, o Itamaraty disse que só se pronunciará sobre o caso no Conselho de Direitos Humanos da ONU.


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