Folha de S. Paulo


Rohingyas são vendidas como noivas por traficantes de pessoas na Malásia

A jovem já tinha passado dois meses detida num acampamento na selva do sul da Tailândia quando um acordo foi proposto.

Ela havia fugido de Mianmar na esperança de encontrar segurança na Malásia, após seu vilarejo ter sido incendiado por extremistas antimuçulmanos.

Mauricio Lima/The New York Times
Ambiya Khatu, ao centro, casou-se com um homem na Malásia que pagou US$ 1.050 para resgatá-la de traficantes
Ambiya Khatu, ao centro, casou-se com um homem na Malásia que pagou US$ 1.050 para traficantes

No entanto, sua família não tinha condições de pagar os US$ 1.260 exigidos para que ela pudesse completar a viagem. Os traficantes disseram que um desconhecido estava disposto a pagar pela liberdade dela, mas, em troca, ela teria que se casar com ele.

"Me deixaram telefonar para meus pais. Eles falaram que, se eu estivesse de acordo, seria melhor assim para toda a família", contou Shahidah Yunus, 22. "Entendi o que tinha que fazer."

Ela passou a fazer parte das centenas de mulheres rohingyas vendidas em casamento a homens rohingyas que já estavam na Malásia. O casamento é o preço pago para escapar da violência e da miséria em seu país de origem, Mianmar.

Algumas rohingyas concordam em se casar desse modo para escapar da detenção ou de um destino ainda pior nas mãos dos traficantes. No entanto, outras são enganadas ou coagidas. Algumas são apenas adolescentes.

"Centenas ou até milhares de mulheres e meninas foram vendidas ou negociadas em casamento desde 2012 por meio desses corredores de tráfico", disse Matthew Smith, da entidade Fortify Rights, em Bancoc. "Algumas famílias enxergam isso como um mecanismo de sobrevivência. Para a mulher, ser vendida ou coagida a se casar é o resultado menos tenebroso da viagem. Isso é um problema."

Sharifah Shakirah é uma refugiada rohingya em Kuala Lumpur que presta assistência a refugiados. Segundo ela, muitas das mulheres detidas por traficantes temem que, se não encontrarem maridos rapidamente, "os traficantes as vendam como prostitutas".

As jovens muitas vezes empreendem a viagem sob pressão de seus pais, ansiosos para enviar suas filhas para uma situação de segurança e reduzir seus custos domésticos. Segundo outros rohingyas e especialistas, elas se deixam atrair pelas promessas douradas feitas pelos traficantes sobre o custo da viagem e a boa vida que supostamente as aguarda na Malásia.

Na realidade, porém, mulheres solteiras que embarcam nos navios de traficantes de pessoas sem ter meios de pagar a passagem se convertem em mercadorias que são mantidas em um acampamento ou no navio até que alguém pague sua soltura.

Segundo Shakirah, se os traficantes sabem que a família de uma mulher não tem meios para pagar, "eles informam a outras pessoas: 'Estamos com uma mulher aqui'". Os maridos muitas vezes são mais velhos e mais pobres que o prometido. Algumas das mulheres acabam envolvidas em relacionamentos abusivos.

Dois anos atrás, Ambiya Khatu, 21, casou-se com um homem na Malásia que pagou US$ 1.050 para tirá-las das mãos de traficantes de pessoas na Tailândia. "Minha mãe combinou o casamento", contou.

Quando vivia em Mianmar, ela queria estudar enfermagem. Hoje mora na periferia de Kuala Lumpur, capital da Malásia, cuidando de sua mãe, sua irmã doente e a bebê de sua irmã, enquanto aguarda o retorno de seu marido, que saiu à procura de trabalho meses atrás e ainda não voltou. "Depois de eu ser resgatada, meu marido perguntou se eu me casaria com ele", contou Khatu. "Ele disse: 'Se você não quiser se casar, pode devolver o dinheiro que gastei com você'."

Isso não era possível. "Eu não falava a língua. Como poderia trabalhar para pagá-lo? Não havia outra opção senão me casar."

Algumas das mulheres que se casam para pagar a taxa cobrada por traficantes descrevem isso como uma escolha, mas Susan Kneebone, da Universidade de Melbourne, na Austrália, diz que, quando há violência, ameaças ou promessas enganosas envolvidas, esses casamentos equivalem ao tráfico humano.

Quando a violência antimuçulmana explodiu em Mianmar, em 2012, a maioria dos refugiados era formada por homens. No entanto, nos últimos dois anos, vem aumentando o número de mulheres e crianças que fogem do país.

O tráfico de pessoas foi interrompido temporariamente devido à repressão regional e à estação das monções. Porém, algumas mulheres aguardam a retomada da atividade para deixar Mianmar, mesmo que o preço de sua passagem seja o casamento.

Tahera Begum, 18, rohingya que tinha fugido de Mianmar havia alguns meses, estava com sua cunhada em um acampamento improvisado em Kutupalong, Bangladesh, aguardando para seguir viagem para se casar na Malásia com um homem escolhido por seu irmão, que já estava nesse país. "Eu ficaria mais feliz se pudesse ficar aqui mesmo", disse. "Mas, se receber sinal de meu irmão ou de meu futuro marido, vou tentar de novo."


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