Folha de S. Paulo


Terrorismo de extremistas judeus vira problema para o governo em Israel

Desde a sexta-feira passada (31), centenas de israelenses de ONGs de direitos humanos fazem peregrinação a uma pequena casa incendiada na cidade palestina de Duma, na Cisjordânia.

Foi lá que, na madrugada daquele dia, terroristas jogaram uma bomba caseira, causando a morte de Ali Dawabshe, um bebê de 18 meses.

A ação, supostamente causada por colonos de extrema direita, foi condenada internacionalmente e deplorada pela liderança palestina. Mas o caso chocou também os israelenses. Para o presidente, Reuven Rivlin, o momento é de mea culpa.

"Infelizmente, parece que até agora nós lidamos de maneira hesitante com o fenômeno do terrorismo judaico", declarou Rivlin.

O chamado "terrorismo judaico" parece ter encontrado sua mais nova encarnação nos discípulos do Price Tag, um movimento criado em 2008 com o objetivo de causar danos a palestinos, árabe-israelenses, esquerdistas judeus e a soldados e policiais israelenses para atrapalhar planos de paz que levem à retirada de colônias israelenses da Cisjordânia e de Jerusalém Oriental.

A ideia é "cobrar um preço alto" do governo e das forças de segurança caso decidam remover assentamentos dos territórios palestinos.

Formado por fanáticos religiosos, o movimento foi criado depois da retirada israelense da faixa de Gaza, em 2005, considerada pelos colonos mais radicais como uma traição à sua intenção de aumentar a presença judaica na região.

Três anos depois, o rabino Yitzhak Guinsburg, líder da yeshivá (internato religioso) do assentamento de Yitzhar, criou a noção das "retaliações".

É dos arredores dessa colônia, uma das mais radicais da Cisjordânia, que saem os jovens –chamados de "Juventude das Colinas"– para pichar e danificar mesquitas, igrejas e bases militares.

Eles também incendeiam plantações de palestinos, rasgam pneus de carro e bloqueiam estradas.

Entre 2008 e 2012, foram registrados cerca de 50 casos de Price Tag, segundo a ONG israelense B'Tselem, a maioria de pichações e danos a propriedade.

O número disparou em 2013 (120 casos). Em 2014, a unidade da polícia israelense para crimes nacionalistas prendeu 102 suspeitos e indiciou 37. Mas não foi o suficiente para deter os fanáticos.

Inspirados na ideia das retaliações, três judeus ultraortodoxos queimaram vivo um jovem palestino de 16 anos em Jerusalém, em julho do ano passado, para "vingar" o assassinato de três jovens judeus por membros do grupo islâmico Hamas.

ATAQUES A PROPRIEDADES PALESTINAS

Este ano, o número de ataques contra alvos palestinos na Cisjordânia, além de locais religiosos cristãos em Israel, beira os 140, segundo dados da imprensa local.

De acordo com estimativas do Serviço de Segurança de Israel (o Shabak), os seguidores do Price Tag não passam de uma centena.

É o que acredita também o jornalista Roy Sharon, do Canal 10 da TV israelense. "Não se trata de milhares nem de centenas. São algumas dezenas. É muito difícil chegar a eles."

Mas, para Liat Schlesinger, chefe do departamento de pesquisa da ONG Molad, o número de participantes é muito maior e conta com financiamento de líderes colonos, fortalecidos desde a subida ao poder do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, do partido de direita Likud, em 2009.

"Ao contrário do que se pensa, essas pessoas não são poucas 'ervas daninhas'. Documentos provam que se trata, na verdade, de uma estratégia, uma política sistemática e planejada que foi desenvolvida pela liderança dos colonos", acredita Liat.

O Conselho de Yesha, que representa a maioria dos 500 mil colonos judeus em territórios palestinos, rejeita a acusação.

"Incentivamos o governo a atuar contra qualquer terrorista, árabe ou judeu. Se judeus cometeram esse crime, trata-se de um ato grave e inigualável", diz Igal Dilmoni, vice-presidente do conselho.

"Achamos que o governo tem de fazer tudo o que puder, desde que não seja algo violento, para deter esses criminosos", continua Dilmoni, referindo-se à aprovação, pelo Gabinete de Segurança de Israel, no domingo (2), de prisões preventivas contra suspeitos de terrorismo israelenses.

Nesta segunda (3), o ministro de Segurança Interna, Gilad Erdan, informou que o governo também aprovou métodos de investigação mais rigorosos, como os usados contra suspeitos palestinos de terrorismo.

E já houve uma prisão: a de Meir Ettinger, neto do rabino Meir Kahane, tido como um dos fundadores do radicalismo judaico moderno, que não se acanha em atacar palestinos em nome da "Grande Terra de Israel" –entidade bíblica judaica que para eles é mais importante do que o moderno e democrático Estado de Israel.

O legado de Kahane (assassinado em 1990) inspirou, por exemplo, o ex-soldado Eden Natan-Zada, que, em 2005, entrou num ônibus na cidade árabe-israelense de Shfaram e metralhou até a morte quatro cidadãos árabes.

Estaria "vingando" a retirada israelense de Gaza. No ano seguinte, o colono Asher Weisgan matou quatro palestinos como protesto à demolição de nove prédios ilegais no assentamento de Amona.

Antes da criação de Israel, em 1948, grupos paramilitares judaicos não religiosos atuavam na então Palestina sob controle do mandato britânico (1931 a 1948).

Eles tinham como objetivo expulsar os britânicos e assegurar a imigração judaica. Os mais conhecidos eram o Irgun e o Lehi. A ação mais famosa do Irgun foi o ataque terrorista ao hotel King David, em 1946, que deixou 91 mortos.

Depois da criação de Israel, as primeiras notícias de grupos terroristas judeus surgiram na década de 80.

Os casos mais infames de terrorismo contra palestinos, no entanto, foram causados, em geral, por fanáticos religiosos.

Um deles, Baruch Goldstein, matou 29 fiéis muçulmanos em Hebron em 1994 antes de ser linchado.

O assassinato do ex-primeiro-ministro Yizthak Rabin, no ano seguinte, foi cometido por um extremista religioso nos moldes de Goldstein, Yigal Amir, que cumpre prisão perpétua.


Endereço da página:

Links no texto: