Folha de S. Paulo


Equador vive onda de manifestações pela saída de presidente

Bastou o papa Francisco deixar o território equatoriano para que milhares de pessoas voltassem às ruas, na última quinta-feira (9), em Quito e Guayaquil, com faixas de "Fora Correa, fora" e "O Equador não é a Venezuela".

Desde o princípio de junho, manifestações reunindo principalmente setores da classe média têm ocorrido com frequência nas principais cidades do país. A maior delas ocorreu no último dia 25, em Guayaquil, reunindo 400 mil pessoas.

O governo reagiu usando o aparato policial. Os enfrentamentos com os manifestantes deixaram 22 feridos. Foram realizadas 37 detenções.

As convocações para os protestos foram inicialmente feitas por anônimos por meio das redes sociais. Agora, ganharam apoio aberto de políticos de oposição, que saem à frente em passeatas.

"O governo não quis fazer cortes nos gastos públicos e anunciou impostos altos para o cidadão comum. Essa é a razão da tomada das ruas", diz à Folha o cientista político Felipe Burbano, da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais.

Juan Cevallos-02.jul.2015/AFP
Policiais fazem barreira para conter manifestantes contrários ao governo de Rafael Correa, em Quito, em 2 de julho
Policiais fazem barreira para conter manifestantes contrários ao governo de Rafael Correa, em Quito

O estopim dos protestos foi o projeto de lei que aumenta em até 77% o imposto sobre heranças acima de US$ 35,4 mil (cerca de R$ 113 mil). Como mais de 95% das empresas equatorianas são familiares, a reação foi imediata.

Logo se somaram novas bandeiras ao movimento, entre elas as da defesa da liberdade de expressão (leia ao lado), de grupos indígenas contra a expansão de projetos de mineração em seu território e contra o estilo autoritário e populista do presidente.

Há oito anos no cargo e em seu terceiro mandato consecutivo, Rafael Correa obteve autorização da Corte Constitucional para levar adiante a proposta de alterar a Constituição e estabelecer o mandato ilimitado, sem ter de consultar a população em referendo, como manda a Carta. A ideia é concorrer a um quarto mandato em 2017.

AJUSTES

Desde o começo do ano, o governo iniciou uma série de ajustes para combater o impacto da queda do preço internacional do petróleo na economia do Equador.

Na última década, o país chegou a crescer 8% ao ano, apoiado na exportação de matérias-primas. Com isso, ampliou políticas de assistência social e fez investimentos que permitiram reduzir a pobreza de 45% a 25% desde 2007.

"A mudança do cenário econômico internacional obriga o governo a fazer cortes e ajustes, mas este se recusa a enxugar gastos públicos", explica Burbano.

O único corte foi de 4% nos salários de funcionários de alto escalão, inclusive o do presidente.

Um dos líderes políticos que mais vêm confrontando Correa, o prefeito de Guayaquil, Jaime Nebot (Partido Social Cristão), diz: "O que queremos é um Equador onde todas as liberdades sejam respeitadas, especialmente a liberdade de expressão e a de poder progredir".

Editoria de Arte/Folhapress

"O governo considera que os lucros gerados por uma propriedade legitimamente adquirida são ilegítimos, que eles pertencem ao Estado", acrescenta Nebot, ex-candidato derrotado à Presidência. "É um absurdo. Aqui é o Equador, não a Venezuela."

Para economistas, não é correto considerar que os ajustes afetam apenas os ricos, como assegura o governo. "Muitas medidas afetaram a classe média e os pobres. Elas atingem todo mundo", diz Juan Rivadeneira.

Correa reagiu por meio de sua conta no Twitter, afirmando que havia um complô planejando um golpe de Estado. "Por meio da violência, querem derrubar um governo que tem imenso apoio nacional e internacional."

O presidente também recorreu a seu programa televisivo semanal, "Enlace Ciudadano", para acusar a imprensa de não informar corretamente sobre os projetos de lei. "O imposto não é sobre os imóveis, e sim referente a cada herdeiro. Isso deixa muito mais gente isenta", declarou Correa.

POPULARIDADE

Um dos principais capitais políticos de Correa, a aprovação popular, porém, está em queda. Com mais de 60% no ano passado, hoje o presidente tem 46% de apoio. O índice é alto se comparado ao de vários colegas do continente, mas a constância da queda vem assustando.

Pesquisas recentes apontam 72% de descontentamento dos equatorianos com relação aos ajustes, e 75% são contra mudar a Constituição para aprovar a reeleição indefinida sem a realização de referendo –tema que já tramita na Assembleia.


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