Folha de S. Paulo


OPINIÃO

Efeito da visita de Dilma aos EUA não pode se dissipar com o tempo

O relacionamento do Brasil com os Estados Unidos sempre se caracterizou por um grau considerável de consulta e cooperação, mas também foi afetado por divergências em torno de questões específicas como tarifas, dumping, procedimentos de licitação para obras públicas e acesso ao mercado. Questões de política externa envolvendo países como Cuba, Venezuela, Nicarágua e Irã acrescentaram atritos ao relacionamento.

Mais recentemente, revelações sobre a interceptação pelos EUA de telefonemas e e-mails da presidente Dilma Rousseff, somadas ao cancelamento da visita de Estado desta aos EUA, acionaram o freio nos contatos bilaterais.

Desde a perspectiva das relações EUA-Brasil, a visita da presidente Dilma aos Estados Unidos foi claramente positiva e atendeu aos interesses de nossos dois países. No mínimo, a questão da espionagem foi resolvida.

Gerald R. Ford School/University of Michigan
O ex-embaixador dos EUA no Brasil Melvyn Levitsky em evento da Universidade de Michigan em 2014
O ex-embaixador dos EUA no Brasil Melvyn Levitsky em evento da Universidade de Michigan em 2014

Nas palavras de Dilma, agora o presidente Barack Obama simplesmente pegará o telefone e ligará para ela se precisar de informações não públicas. Há também a perspectiva de que as consultas bilaterais sobre questões internacionais, comércio, investimentos, cooperação em questões ambientais e o tom geral do relacionamento melhorem e tornem-se produtivos para os dois governos.

Mas ainda restam várias perguntas. Primeiro, os Estados Unidos vão dar às relações com o Brasil –na verdade, com o hemisfério inteiro– um lugar de mais destaque em suas prioridades de política externa? Não é segredo para ninguém que essas relações têm estado em segundo plano para os EUA, com questões iminentes como o Oriente Médio, as negociações nucleares com o Irã, o conflito entre Rússia e Ucrânia, o relacionamento EUA-Cuba e as discussões sobre a Parceria Trans-Pacífica dominando os interesses norte-americanos.

Acredito que a questão de prioridades também se aplica ao governo brasileiro. A presidente Dilma se vê diante de uma série de desafios difíceis decorrentes dos escândalos de corrupção na Petrobras e das acusações de envolvimento neles de vários líderes empresariais e políticos brasileiros, incluindo alguns do partido e da coalizão da presidente. Há a necessidade de Dilma conseguir a adesão do Congresso ao plano de ajuste fiscal (austeridade) e a necessidade mais geral de ela reconquistar parte da popularidade da qual desfrutou no início de sua Presidência, para poder governar de modo efetivo.

Em vista dos desafios de ambos os lados, não acredito que as relações bilaterais vão de repente ficar mais ativas e ganhar mais prioridade para nossos países como resultado da visita. Tampouco penso que qualquer dos dois presidentes acorde pela manhã com o outro país na cabeça.

Acredito, porém, que existem medidas que poderiam ser tomadas que beneficiariam a ambos. Primeiro, acho que seria útil estabelecer consultas bilaterais anuais em nível de gabinete, como as que os EUA fazem com o Canadá e o México. A meu ver, o lugar que o Brasil ocupa no hemisfério e no palco internacional justificaria essas discussões.

Segundo, os EUA poderiam elevar o nível do diálogo contínuo e da atenção que dedicam ao Brasil. Parece claro que o secretário de Estado, John Kerry, não terá grande envolvimento, em vista de sua atenção focada sobre Oriente Médio, Irã e Rússia.

O vice-presidente, Joe Biden, desenvolveu um interesse no Brasil e um envolvimento com o país, especialmente em seu relacionamento pessoal com a presidente Dilma. O Brasil certamente é importante o suficiente para que ele assuma um papel mais forte na condução das relações.

Para concluir, é crucial que os dois países concordem em fazer consultas antes de se pronunciar ou agir em questões de importância internacional e bilateral. Isso reduziria possíveis mal-entendidos e levaria o relacionamento a um nível mais maduro e produtivo, como convém a dois países grandes e vibrantemente democráticos, que compartilham interesses e valores comuns. Esperemos que a boa vontade angariada com a visita não se dissipe com o passar do tempo.

MELVYN LEVITSKY, 77, é professor de política internacional na Gerald R. Ford School of Public Policy da Universidade de Michigan. Foi embaixador dos EUA no Brasil de 1994 a 1998.

Tradução de CLARA ALLAIN


Endereço da página: