Folha de S. Paulo


Análise

Poder de Cristina deve continuar em novo governo argentino

Depois de quase oito anos no poder, a presidente argentina Cristina Fernández de Kirchner vai deixar seu cargo em dezembro deste ano.

No entanto, ela parece estar procurando conservar sua influência.

Leo La Valle - 7.out.2011/Efe
A presidente Cristina Kirchner e o governador Daniel Scioli durante evento em 2011
A presidente Cristina Kirchner e o governador Daniel Scioli durante evento em 2011

Os argentinos irão às urnas em 9 de agosto, em eleições primárias para decidir o candidato presidencial de cada partido ou aliança política. Para evitar rachar seu partido, a Frente para a Vitória, Kirchner, 62, na prática escolheu o candidato de sua sigla em junho, ao endossar o nome do governador da província de Buenos Aires, Daniel Scioli.

Para o analista político Rosendo Fraga, a presidente "está tentando continuar como líder, apesar de sua iminente saída do governo". Scioli, 58, precisava do endosso de Cristina para conseguir o apoio dos eleitores da FpV, que compõem cerca de 30% do eleitorado argentino.

Scioli já bateu de frente com os partidários de Cristina, para quem ele está demasiado ligado a interesses empresariais.

Alguns meses atrás, ele estava promovendo políticas favoráveis às empresas.

Conhecido como kirchnerismo, o movimento populista da presidente levou à ampliação dos benefícios sociais e a uma série de estatizações, incluindo de fundos de pensões, de uma empresa petrolífera e de uma companhia aérea.

Essas e outras políticas, incluindo a imposição de altas tarifas às exportações agrícolas e a adoção de uma lei para limitar o poder dos conglomerados de mídia, opuseram o governo de Kirchner ao establishment empresarial argentino. Além disso, a presidente se negou a pagar os chamados fundos "abutres", cujos detentores processam o país por dívidas não pagas decorrentes de um default em 2002.

Kirchner tinha manifestado apoio a outro candidato, Florencio Randazzo, o ministro do Interior e dos Transportes. No entanto, tudo mudou quando Scioli buscou o apoio da presidente e, aparentemente, anuiu às suas exigências.

Ele diz que, se eleito, conservará o papel central do governo na economia e deu a entender que não fará concessões às grandes empresas.

"Scioli será totalmente dominado por Cristina", comentou a estudante universitária Melanie Russo, 22, chamando a presidente pelo primeiro nome, como faz a maioria dos argentinos.

A Constituição nacional impede Kirchner de se candidatar a um terceiro mandato consecutivo, mas ela poderá ser candidata outra vez em quatro anos. Antes da morte de seu marido e antecessor, Néstor Kirchner, em 2010, o casal previa conservar-se no poder alternando-se na Presidência.

"A presidente vai continuar a ser a figura de proa do kirchnerismo, de modo que essa é naturalmente uma opção a contemplar", comentou o ativista de direitos humanos Eduardo Jozami, 75.

POPULARIDADE EM ALTA

Um fato crucial a levar em conta é que a popularidade de Kirchner está em alta.

No final de maio, seu índice de aprovação popular estava em 40%, contra 30% em fevereiro, segundo uma empresa de pesquisas de Buenos Aires.

"Scioli não está mais tomando as decisões. Precisamos começar a procurar algo novo", disse Luis Ulloa, 32, funcionário público. Ulloa disse que agora aposta no líder oposicionista Mauricio Macri, do partido de centro-direita Proposta Republicana.

Prefeito de Buenos Aires, Macri agrada aos eleitores que veem Kirchner como autoritária e que consideram que sua política econômica isolou o país. Para ajudar a atrair investidores estrangeiros, Macri propõe menos ingerência do Estado na economia e já declarou que saldará a dívida com os fundos "abutres".

Se Scioli chegar à Presidência, é provável que Cristina Kirchner conserve influência considerável sobre seu governo por meio de partidários no Congresso.

Alguns de seus apoiadores se reuniram recentemente no palácio presidencial, cantando "a chefa não vai sair".Muitos argentinos saudariam essa possibilidade.

"Cristina fortaleceu o Estado", ponderou o proprietário de um sebo Juan Carlos Giannantonio, 65, que aprova a ênfase de Kirchner no combate à pobreza.

"Agora que ela está no centro do poder, não pode sair para um lugar às margens."


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