Folha de S. Paulo


EUA não deveriam interferir em Cuba, diz autora filha de Noam Chomsky

Em dezembro de 2014, a versão em inglês do livro "História da Revolução Cubana" já estava sendo impressa quando Havana e Washington anunciaram a reaproximação diplomática.

A mudança obrigou a editora a parar a produção para incluir um epílogo da autora, a historiadora Aviva Chomsky.

O rearranjo da relação bilateral, no entanto, não a empolgou. Aviva critica o fato de o presidente Barack Obama ter mantido o tradicional discurso em defesa de mudanças no regime liderado pelos irmãos Castro desde 1959.

Seu livro, que está sendo lançado no Brasil, faz uma abordagem de esquerda da história recente cubana, com ênfase na relação com os EUA e na economia.

Filha do linguista e ativista de esquerda Noam Chomsky, Aviva, 58, é professora da Universidade Estadual de Salem (EUA).

Leia abaixo os principais trechos da sua entrevista à Folha, feita por telefone.

Andres Stapff - 5.set.2012/Reuters
A historiadora Aviva Chomsky durante conferência no Uruguai sobre imigrantes nos EUA
A historiadora Aviva Chomsky durante conferência no Uruguai sobre imigrantes nos EUA

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Folha - A sra. expressa ceticismo com a reaproximação Cuba-EUA. Por quê?
Aviva Chomsky - Em primeiro lugar, muito vai depender do Congresso americano, que se tem mostrado refratário em dar prosseguimento [à aproximação]. O embargo é parte da legislação americana e só pode ser revertido pelo Congresso, e aparentemente não há nenhuma possibilidade de que isso ocorra.
Mesmo partes menos importantes da agenda do Obama, como abrir uma embaixada, dependem do Congresso para o financiamento.
Outro ponto importante, e que Obama não pôs na agenda, é a base de Guantánamo. Nos EUA, estamos tão acostumados a ter bases em todo o mundo que não percebemos como isso é assustador. Nenhum país tem base militar nos EUA, muito menos um país comprometido a derrubar o governo dos EUA.
Também me deixou angustiada o fato de Obama deixar claro que a hostilidade americana contra o governo cubano não está terminando, incluindo o desejo de provocar mudanças internas em Cuba. Não é da alçada dos EUA fazer isso em qualquer país.

Como a sra. imagina que Cuba será mencionada na campanha presidencial dos EUA?
Provavelmente, não terá muita importância. Imagino que os candidatos terão mais a perder do que a ganhar ao fazer de Cuba uma plataforma importante. A maioria dos pré-candidatos tem se preocupado com temas domésticos. Eles sentem maior potencial de mobilização aí.
A maioria dos americanos não se importa tanto com Cuba, mas tem demonstrado ser favorável, em pesquisas de opinião, a abrir as relações. O problema é que esses levantamentos não medem o grau de importância do tema.
Para os cubano-americanos, é muito importante, mas eles estão divididos. Os representantes no Congresso são da extrema direita e têm o apoio da primeira geração de imigrantes, dos anos 1960.
Mas a segunda e a terceira gerações e os imigrantes dos anos 1980 e 1990 não compartilham essa animosidade.

A Venezuela atravessa um momento muito difícil. Cuba está preocupada por causa da dependência econômica?
Cuba desenvolveu uma economia dependente de combustível fóssil, embora menor que a dos EUA e de outros países industrializados. Um dos aspectos mais sentidos do fim da União Soviética foi a perda de combustível.
A relação com a Venezuela, porém, não é apenas dar petróleo a Cuba, é o mesmo tipo de comércio justo fora do mercado, em que Cuba se apoia em uma de suas grandes forças, a boa educação de sua população, fazendo um intercâmbio de combustível por médicos. Isso tem sido extremamente importante na recuperação, e suspeito que, se mudar radicalmente, não seria um golpe mortal, mas um revés esmagador.

Seu livro menciona publicações críticas ao governo, mas que têm uma circulação muito limitada a intelectuais e a quem tem acesso à internet. Como a liberdade de expressão tem evoluído em Cuba?
Em Cuba, há espaços com um pensamento muito crítico, mas os participantes não têm necessariamente acesso aos grandes meios de comunicação e à imprensa popular. Isso é verdadeiro tanto para os EUA como para Cuba e qualquer lugar do mundo.
Um segundo aspecto é sobre o que as pessoas podem falar em sua vida cotidiana. Tenho levado estudantes a Cuba há alguns anos, e um dos aspectos com que ficam impressionados é o alto grau de interesse dos cubanos em política e a quantidade de coisas que têm a dizer sobre seu país. E eles percebem que, nos EUA, ninguém se importa com esses temas.

"HISTÓRIA DA REVOLUÇÃO CUBANA"
QUANTO: R$ 49,90
CLASSIFICAÇÃO: BOM
AUTOR: AVIVA CHOMSKY
EDITORA: VENETA


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