Folha de S. Paulo


Vídeo da perícia mostra alteração do local da morte de promotor Nisman

Vídeo da polícia federal argentina mostra que o apartamento do promotor argentino Alberto Nisman, encontrado morto no banheiro em 18 de janeiro, deve ter sofrido interferências que prejudicaram a obtenção das provas.

Nisman era uma figura importante da política argentina e acusava a presidente Cristina Kirchner de aliar-se ao Irã para supostamente encobrir os suspeitos de um atentando a bomba à entidade judaica Amia, em 1994, em Buenos Aires.

As imagens, divulgadas pelo jornalista Jorge Lanata na noite deste domingo (31), mostram um técnico limpando a arma que efetuou o disparo com papel higiênico. Posteriormente, a perícia feita após a morte não conseguiu identificar impressões digitais no revólver.

Reprodução
Perito segura arma encontrada em local da morte do promotor Alberto Nisman
Perito segura arma encontrada em local da morte do promotor Alberto Nisman

O técnico retira o cartucho das balas usando luvas sujas de sangue, contaminando o cartucho que até então parecia limpo e de onde se poderia eventualmente coletar impressões digitais.

Em seguida, coloca os projéteis sobre o bidê, interferindo na cena onde Nisman foi encontrado morto.

Quase cinco meses após a morte do promotor, a investigação ainda não concluiu se Nisman foi vítima de um suicídio ou se teria sido assassinado.

Pelas imagens reveladas no fim de semana, é possível notar que havia muitas pessoas dentro do apartamento no momento em que os peritos recolhiam provas. Entre os espectadores, estava o secretário de segurança do governo federal, Sérgio Berni.

Ele teria permanecido mais tempo no local do que informou inicialmente, quando afirmou que teria deixado o apartamento logo após a chegada da promotora Viviana Fein, responsável por investigar o caso.

DIÁLOGO INSÓLITO

Os dois mantiveram um diálogo insólito, captado pelo vídeo poucos minutos depois que Fein chegou ao apartamento de Nisman.

O secretário de segurança sugere à promotora que vá ao banheiro verificar se Nisman ainda estaria vivo. Fein então responde que estava preocupada com as provas e que estava lendo uma mensagem na cozinha do promotor —era um bilhete deixado pela empregada de Nisman.

"Está bem doutora, mas primeiro devemos nos ocupar da vida da pessoa que está ali dentro porque, do contrário, seguimos perdendo tempo aqui", responde Berni.

Em entrevista nesta segunda (1º) pela manhã, Fein justificou a conversa dizendo que foi chamada já com a informação de que Nisman estava morto.

"Já sabia [da morte] pela mãe [de Nisman]. E nos chamaram pelo falecimento do doutor Nisman, não por uma pessoa ferida com arma de fogo. O chamado oficial que me foi enviado diz 'faleceu o doutor Nisman', então fomos até lá por sua morte".

LOTAÇÃO

As imagens mostram pessoas dentro do banheiro onde Nisman foi encontrado sem vida, pisando sobre a poça de sangue que estava no chão do banheiro, e outras sentadas no sofá da sala.

Alguns peritos trabalharam sem luvas, recolhendo papéis, pen drives e um disco rígido de computador de um cofre do promotor.

Para Fein, porém, as provas foram preservadas.

Segundo ela, limpar a arma com papel higiênico é um procedimento usual e necessário para verificar o calibre e a numeração do revólver.

"Não se limpou toda a arma, só o local onde havia o calibre e a numeração", disse em entrevista à rádio argentina Vorterix.

Fein afirmou que a investigação agora está concentrada nos exames de criminalística, que devem identificar em que posição Nisman morreu, segundo indícios dos respingos de sangue encontrados no banheiro.

O objetivo é tentar desvendar se havia outra pessoa (um assassino) no banheiro na hora de sua morte.

"Não se pode manipular a cena ou apagar a presença de uma outra pessoa no local, por isso estamos agora fazendo os exames de criminalística", disse a promotora.

VIOLAÇÃO

A promotora confirmou que foi registrado um acesso ao computador de Alberto Nisman na noite de domingo, 18 de janeiro, em um horário em que o promotor já estaria morto, segundo as perícias.

Fein disse que a promotoria está, neste momento, checando se o relógio do computador estava correto ou se poderia ter sofrido algum tipo de manipulação que induzisse a uma conclusão equivocada.

A divulgação do vídeo e as informações sobre uma suposta violação do computador do promotor morto reacenderam o caso, que vinha perdendo força no noticiário argentino.

Nisman morreu na véspera de apresentar provas contra a presidente Cristina Kirchner e seus aliados políticos por supostamente tentarem encobrir os responsáveis pelo atentado à Amia.

Segundo o promotor, Cristina teria negociado com o Irã livrar os suspeitos, altos funcionários do país, dos alertas de captura da Interpol. O governo nega a acusação.

A Justiça arquivou a denúncia de Nisman contra a presidente, e uma junta médica convocada por Fein não havia endossado a hipótese, levantada pelos peritos da ex-mulher do promotor, a juíza Sandra Arroyo Salgado, de que ele teria sido assassinado.

A misteriosa morte de Nisman e as acusações que ele fez contra o governo haviam sugado parte da popularidade da presidente Cristina neste ano de eleições presidenciais. Aos poucos, Cristina retomou a confiança perdida com a menor repercussão do caso.

Os candidatos governistas à Presidência e políticos aliados chegaram a minimizar as acusações de Nisman. O próprio governo publicou, em jornais estrangeiros, um anúncio afirmando que a denúncia do promotor não havia prosperado na Justiça.

Desde a noite de domingo (31), porém, o assunto está entre os temas mais comentados nas redes sociais do país, ressaltando as dúvidas que ainda pairam sobre a morte do promotor que acusava o governo.


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