Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Autor critica ação dos EUA sem negar seu peso

Não é à toa que Perry Anderson é um dos poucos marxistas que não perderam a credibilidade. Intelectual à moda antiga, o historiador britânico de 76 anos embasa com fatos e boa lógica suas opiniões, as quais, claro, podem ser objeto de disputa, mas nunca de desprezo.

Seu mais recente trabalho publicado no Brasil é "A Política Externa Norte-Americana e Seus Teóricos", coleção de ensaios antes editados na "New Left Review", revista acadêmica bimestral estabelecida em 1960 e que está entre as 20 de maior impacto na área da ciência política.

Ao contrário de muitos panfletistas de esquerda, para quem o declínio dos EUA já aconteceu, Anderson reconhece que, apesar das inúmeras mudanças na geopolítica internacional neste século, Washington ainda mantém a hegemonia mundial.

Na primeira metade de seu livro, intitulada "Império", Anderson trata do poder americano, suas consequências e realizações, de maneira original em três dimensões.

A primeira é temporal (em vez de divisões tradicionais, ele o considera em um só bloco, da Guerra do México à do Terror); a segunda, espacial (em vez de focar ações americanas no Terceiro Mundo ou na Europa Oriental, inclui as operadas no Primeiro Mundo); a terceira, política (como dito, ele não considera o colapso dos EUA iminente).

"A mudança do equilíbrio de forças em cujo centro a sua [dos EUA] hegemonia continua a se manter tem de ser reconhecida de forma objetiva, sem pensamentos ilusórios", alerta Anderson.

PREMISSA SECULAR

Na segunda parte, ele avalia os analistas americanos da política externa do país.

Contundente, mostra como as premissas dos estudiosos mais importantes do papel dos EUA no mundo mantêm a premissa quase secular de que a hegemonia de sua nação serve tanto aos interesses do seu próprio país, como aos da humanidade toda.

Os muitos problemas que os americanos enfrentam, incontestáveis a partir da Guerra do Iraque (2003) e da crise financeira de 2008, podem ter imposto qualificações à velha teoria da excepcionalidade dos EUA, mas não foram suficiente para que ela seja realmente questionada pelos que estudam desde lá mesmo a política externa do país.

Para eles, "sem a hegemonia norte-americana, seguir-se-ia a desordem global -guerra, genocídio, depressão, fome. Em última instância, a paz e a segurança do planeta dependem disso".

Nem os que se consideram ou são vistos como mais críticos escapam dessa premissa, inculcada nos círculos acadêmicos do país por mais de cem anos, como o autor mostra documentadamente.

Anderson, contudo, comete uma injustiça ao não citar pelo menos um analista da política externa dos EUA que se diferenciou grandemente dessa regra geral: William Pfaff, que morreu em 30 de abril, aos 86 anos, em Paris.

Diferentemente da maioria dos grandes nomes dos estudos das relações internacionais nos EUA, Pfaff fez críticas severas e estruturadas à visão de seu país como fonte única de benevolência e segurança dos grandes valores da humanidade.

Seu último livro, de 2010, trata especificamente disso.

Chama-se "The Irony of Manifest Destiny: The Tragedy of America's Foreign Policy" (A ironia do destino manifesto: a tragédia da política externa americana, em tradução livre), e mostra como os EUA erraram sucessivamente em suas ambições em diversas regiões do mundo.

Pfaff certamente é exceção à regra geral que Anderson delineia, mas deveria ter sido citado como tal neste trabalho acadêmico de fôlego.


CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA, livre-docente e doutor em comunicação pela USP, é editor da revista "Política Externa". Foi ombudsman da Folha.

A POLÍTICA EXTERNA NORTE-AMERICANA E SEUS TEÓRICOS
QUANTO: R$ 56 (224 PÁGS.)
AUTOR: PERRY ANDERSON
EDITORA: BOITEMPO


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