Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Movimentos sociais subvertem bipartidarismo em eleição na Espanha

Há exatos quatro anos, milhões de espanhóis tomaram as praças do país contra as medidas de austeridade propostas pelo então primeiro-ministro socialista, José Luis Zapatero, exigindo uma "democracia real já".

Slogans como "Não nos representam" e "Nossos sonhos não cabem nas urnas", disseminaram-se nos acampamentos em praças como o da Porta do Sol em Madri ou o da praça Catalunha em Barcelona.

Apesar dos slogans, uma parte dos manifestantes resolveu apostar na regeneração das instituições públicas participando do processo eleitoral –no ano passado, nas eleições para o Parlamento Europeu e, agora, nas eleições para os municípios e comunidades autônomas espanholas.

Nas eleições europeias de 2014, duas iniciativas "cidadãs" e contra o establishment bipartidário espanhol entraram na disputa: o catalão Partido X e o Podemos, baseado em Madri.

Embora o Partido X não tenha conseguido votos suficientes para eleger deputados europeus, o Podemos conseguiu eleger cinco. Meses depois, algumas pesquisas de opinião já mostravam o novo partido como a maior força política em uma eventual eleição nacional.

O sistema bipartidário que desde o fim da ditadura franquista, em 1978, havia oposto conservadores do Partido Popular e progressistas do Partido Socialista Operário Espanhol foi subvertido por novas forças políticas que diziam expressar a indignação que emergiu nos protestos de 2011.

A emergência de novos atores não se deu apenas à esquerda do espectro político. O Ciudadanos, partido mais antigo e de centro-direita, apareceu renovado e se expandiu prometendo a entrada na política de políticos não profissionais, de novas gerações e sem vínculos com a corrupção.

CANDIDATURAS CIDADÃS

A tentativa dos movimentos sociais de regenerar a política se expressou nas atuais eleições em amplas coalizões que uniram, além do Podemos, ativistas, coletivos e partidos políticos alternativos.

As autodenominadas "candidaturas cidadãs" tiveram excelente desempenho nas duas principais cidades espanholas. Em Barcelona, Ada Colau, ativista antidespejo com longa participação nos movimentos sociais, venceu as eleições pela coalizão Barcelona en Comú, conquistando 11 das 30 cadeiras (concejales) em disputa.

Na capital, a coalizão Ahora Madrid, apresentou a candidatura de Manuela Carmena, juíza aposentada, com histórico na luta pelos direitos humanos. A coalizão de Carmena ficou em segundo lugar, com 20 das 57 cadeiras em disputa, contra 21 conquistadas pelo Partido Popular.

Apesar da vitória, o Partido Popular, perdeu a maioria absoluta e sofre seu maior golpe em 26 anos de poder em Madri. Há ainda a possibilidade de um acordo entre os partidos de esquerda que poderia levar Carmena a ser a prefeita de fato.

As duas coalizões roubaram a cena durante a campanha eleitoral e prometeram mudanças drásticas na forma de se fazer política. Já se diziam vitoriosas por terem elaborados seus programas de governo de forma colaborativa, serem autofinanciadas e terem como principais mensageiros "pessoas comuns" e não políticos profissionais.

Os 35 milhões de eleitores que foram hoje às urnas abriram a porta para uma profunda reestruturação do sistema partidário espanhol. A "geração das praças" compareceu às urnas, concorreu por elas, e aumentou a pressão para que as instituições políticas se renovem e sejam mais porosas às demandas que vem das ruas.

Lucia Nader é cientista política pela Sciences Po-Paris e Pablo Ortellado é professor do curso de Gestão de Políticas Públicas da EACH-USP. Ambos estão na Espanha, acompanhando as eleições e suas relações com os movimentos sociais.


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