Folha de S. Paulo


'Ermitão da Amazônia', imigrante japonês guarda cidade fantasma

Shigeru Nakayama, o guardião desta cidade fantasma na floresta tropical do Amazonas, olha para o rio Negro, um tributário de águas escuras. Visto de alguns ângulos parece um mar, o que o faz se lembrar do Japão.

"Em Fukuoka fazia frio durante o inverno", disse Nakayama, 66, que deixou o Japão com seus pais e três irmãos em meados dos anos 1960. "Éramos agricultores, tentando melhorar. O Japão estava reduzido a cinzas depois da guerra. A vida ainda era dura."

"Mas o Brasil era a terra dos sonhos para nós", ele acrescentou, encostando-se a um dos prédios de pedra arruinados de Airão Velho -uma cidade tão esquecida e abandonada que hoje se mantém no abraço labiríntico de raízes de árvores e cipós.

Se alguém pode afirmar que os sonhos se desenrolam de maneiras imprevistas, é Nakayama. Mas primeiro, quando os visitantes aparecem em Airão Velho, ele prefere atraí-los com um pouco da história do posto avançado.

Povos indígenas habitaram a região há milhares de anos, deixando sua marca em gravuras rupestres, que ele me mostra.

Mauricio Lima/The New York Times
Shigeru Nakayama nas ruínas de Airão Velho
Shigeru Nakayama nas ruínas de Airão Velho

Mais recentemente, expedições escravagistas de São Paulo penetraram na Amazônia no século 17, provocando o caos entre as tribos ao longo do rio Negro.

Então os portugueses fundaram um posto avançado nesse lugar em 1694, que chamaram de Santo Elias do Jaú. Missionários fizeram sermões aos indígenas nos séculos 18 e 19.

Antes que o Brasil adquirisse a independência, em 1822, as autoridades de Lisboa mudaram o nome do assentamento para Airão.

Nakayama chegou aqui em 2001, depois de viver em uma área da Amazônia onde as autoridades criaram um parque nacional, expulsando os colonos.

Mais ou menos nessa época, um descendente do clã Bezerra, que costumava controlar Airão Velho, pediu-lhe para tomar conta do posto abandonado.

Um quadro a óleo que ele tem em seu casebre mostra como teria sido Airão Velho no seu apogeu, no séculos 19 e no início do século 20, quando emergiu como um polo movimentado para seringueiros e negociantes.

Centenas de pessoas teriam vivido aqui, percorrendo as ruas de pedras roliças diante das casas imponentes em estilo colonial, lojas e prédios municipais.

Depois que deixaram o Japão, os Nakayama chegaram a Belém, em uma das últimas levas de emigração japonesa para o Brasil.

Durante um período, quando era jovem, Nakayama tentou viver em São Paulo, onde muitos japoneses fizeram seus lares, mas ele sentiu o chamado da floresta.

"A cidade não combinava comigo e eu não combinava com a cidade", disse ele, explicando por que viu na agricultura sua vocação, enquanto seus irmãos prosperavam em atividades urbanas.

Antes de Nakayama rumar para Airão Velho, onde os visitantes o chamam de "ermitão da floresta", sua existência nem sempre foi solitária. Ele teve duas companheiras no passado, disse. A última, uma professora, morreu aproximadamente na época em que ele decidiu fazer a vida aqui.

Há muito tempo livre quando se é um ermitão. Um gerador elétrico e uma antena permitem que ele assista um pouco de televisão; gosta de ver os jogos do Flamengo, seu time de futebol. Ele caça e cuida de uma pequena horta.

Com a idade, hoje ele passa alguns dias por mês em um assentamento menos remoto, Novo Airão, visitando amigos e se abastecendo de suprimentos, que compra com sua aposentadoria.

Mas quando um viajante passa por Airão Velho ele geralmente se oferece para mostrar a região. Cineastas japoneses fizeram um filme sobre sua vida espartana.

Ele reconhece que proteger Airão Velho do avanço da selva é uma luta sem fim. "Durante séculos, as pessoas viveram e morreram aqui. Eram os verdadeiros pioneiros, e tenho de honrar sua memória preservando este lugar. É uma questão de respeito."


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