Folha de S. Paulo


China reduz o consumo de carvão mineral sem frear a economia

Um protagonista começa a despontar para a conferência do clima de dezembro em Paris: China.

O maior poluidor do mundo deu uma freada que ninguém antecipou no consumo de carvão do ano passado, de 2,9%, embora seja essa sua principal fonte de energia.

A informação foi destacada em Berlim por Li Shuo, do Greenpeace China, na periferia doDiálogo de Pertersberg, uma iniciativa do governo alemão.

"Foi uma guinada drástica, uma rápida mudança na situação da energia doméstica", disse o dirigente da ONG na tarde desta segunda-feira (18), enquanto ministros de 35 países debatiam os rumos da mudança climática.

Carvão mineral é a pior forma de combustível que existe, do ponto de vista da mudança do clima. Emite grandes quantidades de CO2 (principal gás do efeito estufa) para gerar eletricidade, e a China vinha queimando quantidades crescentes para sustentar as invejáveis taxas de expansão do PIB.

É verdade que a locomotiva chinesa desacelerou em 2014, para 7,4%. Mas não só o consumo de carvão não acompanhou essa taxa como ainda houve redução.

Trata-se da perseguida desvinculação ("decoupling", em inglês) entre desenvolvimento e carbonização, Santo Graal da economia verde.

Editoria de Arte/Folhapress

CONTRIBUIÇÃO PLANETÁRIA

A China responde por 50% da poluição mundial com gases do efeito estufa produzidos na queima de carvão.

A reviravolta no consumo certamente contribuiu para a estagnação das emissões do setor de energia em 2014, anunciada pela Agência Internacional de Energia (IEA, em inglês) em março.

Pela primeira vez em 40 anos, o corte na poluição de carbono não resultou de desaceleração da economia mundial. No entanto, seis meses atrás a IEA ainda previa aumento do uso de carvão mineral na China.

Nos primeiros quatro meses de 2014, a tendência se manteve. Em comparação com o período janeiro-abril de 2013, o consumo desse combustível fóssil recuou 7,7%, o que levou a uma redução de emissões de CO2 de 5,2%, segundo análise do serviço Greenpeace/Energydesk (bit.ly/1FgbMfg).

A diminuição obtida equivale a quatro meses de emissões de um país industrializado como o Reino Unido.

O governo chinês ordenou o fechamento de mais mil minas de carvão, mas o ganho presente parece ter decorrido da desaceleração da indústria, sobretudo na construção civil, e do aumento da participação no PIB do setor de serviços (comércio, bancos etc.), que polui menos.

VIDA OU MORTE

Não é só para beneficiar o clima planetário que o governo chinês está dando essa guinada.

A queima de combustíveis fósseis, carvão mineral à frente, também representa a maior fonte de poluição do ar nas cidades da China, responsável por até 500 mil mortes prematuras por ano e um fator de inquietação social no país.

A cúpula chinesa também se mostra interessada em aparecer como parceira responsável nas negociações internacionais sobre mudança do clima. Acredita-se que apresente já em junho -antes do que se espera do Brasil- seu compromisso de redução de gases do efeito estufa.

Seria um detalhamento do que já anunciara com os EUA em novembro: o pico de suas emissões de carbono acontecerá antes de 2030. Uma maneira de fazê-lo consistiria em enunciar uma meta de redução da intensidade de carbono de sua economia mais ambiciosa do que a já adotada (até 45% antes de 2020).

Conter o consumo de carvão é a melhor maneira de fazê-lo. Afinal, a China –que ainda tem centenas de milhões na pobreza– já alcançou o mesmo nível de emissões per capita da União Europeia, uma das regiões mais ricas do mundo.

Um sinal evidente de que a eficiência energética de seu crescimento vertiginoso se acha num patamar insustentável.

O jornalista MARCELO LEITE viajou a Berlim a convite do Ministério das Relações Exteriores da Alemanha


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