Folha de S. Paulo


Reunião na Alemanha põe em dúvida acordo contra mudanças climáticas

A abertura de uma reunião sobre mudança do clima que atraiu ministros de 35 países a Berlim, batizada Diálogo de Petersberg, indicou que segue em dúvida a possibilidade de um acordo internacional forte na França, dentro de seis meses.

O encontro na capital alemã, na segunda e na terça-feira (18 e 19), não faz parte do processo de negociação oficial das Nações Unidas para um tratado que substitua o Protocolo de Kyoto no período pós-2020. Mas a reunião serve para cada país verificar em que direção os outros estão indo e se há indicações de que o Acordo de Paris será forte.

Forte, no caso, seria um conjunto de compromissos nacionais para reduzir emissões de CO2 (principal gás do efeito estufa) capaz de impedir que a temperatura média global exceda 2 graus Celsius até 2100. Como já houve um aquecimento de 0,8 grau, restaria apenas 1,2 grau para tal objetivo.

A reunião foi aberta pela ministra alemã do Ambiente, Barbara Hendricks, e pelo ministro francês das Relações Exteriores, Laurent Fabius - que presidirá a 21ª Conferência das Partes (COP-21) da convenção do clima, em Paris, em dezembro. A ministra do Meio Ambiente do Brasil, Izabella Teixeira, participa do encontro.

A anfitriã enfatizou a necessidade de que o novo tratado inclua obrigações para todos os países, não só os desenvolvidos e historicamente mais poluidores (como foi o caso de Kyoto).

"A questão não é se temos o mesmo direito de explorar o planeta, mas como será possível usar nossa tecnologia e meios financeiros para nos permitir encerrar a era [do combustível] fóssil."

Hendricks aludiu a dois pontos cruciais da negociação: a promessa de destinar US$ 100 bilhões anuais a partir de 2020 para países em desenvolvimento ou sob ameaça de desastres naturais e a transferência de tecnologia, sobretudo na área de energia limpa. Até agora, só US$ 10 bilhões foram doados ao Fundo Verde do Clima, mas não depositados no todo.

Transferências de dinheiro e tecnologia são mais ou menos consensuais na União Europeia, mas controversas para países desenvolvidos como os EUA, Canadá e Austrália.

Índia e China, por outro lado, não abrem mão de compromissos financeiros por parte dos mais ricos. As duas nações são, respectivamente, a primeira e a terceira maior fontes de poluição por carbono do mundo (a segunda são os EUA, e a União Europeia estaria na frente da Índia se fosse um país).

Em comunicado conjunto após visita do premiê indiano Narendra Modi a Pequim, na sexta-feira (15), os dois lados instaram os países desenvolvidos a incrementar suas metas de corte de emissões antes de 2020 e honrar o compromisso quanto aos US$ 100 bilhões.

Por outro lado, tanto Hendricks quanto Fabius fizeram acenos a países em desenvolvimento ao destacar a necessidade de que os fundos sejam usados também em adaptação (prevenção de desastres) e não só mitigação (redução de emissões). É uma reivindicação sobretudo das nações mais pobres e sob maior risco de grandes desastres climáticos, como secas e inundações.

O premiê francês mencionou até algo em que ninguém mais acredita ser possível: manter o aquecimento em 1,5 grau Celsius. Pelo menos 38 países já apresentaram seus compromissos de redução (não o Brasil), e eles indicam claramente que nem a meta de 2 graus será alcançada neste século - a trajetória sugere algo acima de 3 ou 4 graus até 2100.

A meta de 1,5 grau é a preferida por pequenas nações insulares, como Maldivas, que correm o risco de desaparecer com a elevação do nível do mar em até 1 m no fim do século.

A maioria dos discursos já contém referências a Paris não ser o ponto final das negociações, mas só o ponto de partida. A expectativa mais ambiciosa, atualmente, parece ser que o novo acordo contenha provisões sobre como revisar essas metas após 2030, quando estará claro que são insuficientes.

É sinal de que sairá um acordo fraco da capital francesa e também de que há temor de que a conferência termine conhecida uma nova Copenhague. Ou seja, que se repita o fracasso de 2009, quando a falta de um acordo com força legal decepcionou o mundo.

O presidente da Alemanha (chefe de Estado, não de governo), Joachim Gauck, foi outro a tentar infundir otimismo. "A humanidade está diante de uma tarefa como nunca houve na sua história", disse em discurso aos participantes. "Não somos impotentes, não estamos desesperançados - e sobretudo não devemos ser irresponsáveis!"

Laurent Fabius resumiu o espírito de urgência que começa a inquietar os negociadores citando uma frase do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon: "Não existe um plano B, porque não existe um planeta B".

O jornalista MARCELO LEITE viajou a Berlim a convite do Ministérios das Relações Exteriores da Alemanha


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