Folha de S. Paulo


análise

Em uma crise similar à de Dilma, Bachelet articula resposta política

A presidente chilena Michelle Bachelet vem atravessando um momento semelhante ao experimentado pela presidenta Dilma Rousseff, no Brasil. Além de dificuldades encontradas no manejo de sua coalizão de governo, com repetidas tensões com a Democracia Cristã (DC) – em certa medida como PMDB e Dilma –, Bachelet teve de enfrentar a explosão de dois casos judiciários que têm paralisado a política chilena e a atuação do seu governo.

Primeiro, em agosto de 2014, tornou-se público o caso de corrupção e financiamento ilícito do principal partido da oposição, envolvendo diversos parlamentares e ex-ministros do governo anterior. O avanço recente das investigações tem demonstrado que esse esquema de corrupção teria sido mais generalizado, envolvendo políticos de diversos partidos, inclusive partidos que formam parte da Nueva Mayoría, a coalizão de governo de Bachelet.

Lan Hongguang/Xinhua
A presidente do Chile, Michelle Bachelet, enfrenta crise política
A presidente do Chile, Michelle Bachelet, enfrenta crise política

Segundo, um caso mais pessoal e simbólico, envolvendo o próprio filho da presidenta, no qual se acusa que este teria se beneficiado de um suposto tráfico de influência e informação privilegiada, com a finalidade de enriquecimento pessoal.

Estes dois casos têm tido consequências devastadoras para o sistema político chileno e para a própria Bachelet. Os cidadãos chilenos já outorgavam pouco crédito aos partidos e a ação política – nas ultimas eleições presidenciais, apenas 46% dos chilenos foram votar.

A esta tendência ao desinteresse pela política soma-se agora uma desconfiança inédita em relação aos partidos e à classe política em geral: a última pesquisa de opinião indica uma rejeição aos partidos políticos na casa dos 75%, e de 80% com relação à congresso.

Essa desconfiança generalizada tem atingido o governo e a própria presidenta. De fato, Bachelet foi muito criticada perante sua falta de reação nos dois casos. No caso envolvendo seu filho, particularmente, foi ressaltada a sua incapacidade de tomar decisões apropriadas com celeridade. Estas críticas se materializaram com um aumento brusco da rejeição ao seu governo e ao seu desempenho, respectivamente, por volta de 70% e 64%.

Mas as comparações com o caso brasileiro terminam aqui. Contudo, é de se notar que a resposta política de Bachelet a esses acontecimentos de natureza eminentemente políticas. Primeiro, a presidenta mandatou em março uma comissão técnica, com a missão de elaborar um relatório para por fim à corrupção, ao financiamento ilícito de campanhas, bem comoà "porta giratória" entre os mundos empresarial e político. O relatório final, compreendendo mais de 300 propostas, foi entregue no dia 28 de abril, apenas um mês e meio depois do inicio dos trabalhos.

No dia 7 de maio, a presidente anunciou, em entrevista acordada na TV, a demissão completa do seu governo. Esta medida espetacular pode ser vista como um golpe de autoridade sobre os parceiros membros do seu governo, bem como uma aposta "da última chance" para recuperar sua credibilidade.

A formação do novo gabinete aconteceu em 11 de maio, e sua composição ressalta o espaço reduzido outorgado ao próprio partido da presidenta, já que apenas três dos 23 ministros são do mesmo partido de Bachelet.

Nota-se, ainda, o reforço do "PMDB chileno", a Democracia Cristã, subindo cota deste para seis ministros. Sobretudo, destaca-se a nomeação de um DC, Jorge Burgos, como novo ministro de interior e coordenador político.

Este novo gabinete tem como principal meta a aplicação das 305 medidas para por fim à corrupção na política chilena, bem como avaliar as possibilidades e modalidades para a aprovação de uma nova constituição, seja perante um processo político e passando pelo congresso nacional, seja perante a conformação de uma assembleia constituinte.

Esta última constitui, de fato, a principal promessa de campanha de Bachelet, e se configuraria como seu principal legado. No entanto, a atual constituição chilena, herdada da ditadura de Pinochet, contém muitos mecanismos de autoproteção às reformas, como a impossibilidade de organizar referendos.

Desta forma, é mais provável que as tentativas de reforma da constituição chilena passem pelo processo parlamentar, e, por esta via, a presidenta terá de conseguir o apoio de 2/3 dos parlamentares para poder aprovar qualquer reforma. Visto o estado de depressão atual da oposição, esta perspectiva parece ainda bem improvável.

ADRIÁN ALBALA é doutor em ciências políticas e pesquisador no Núcleo de Pesquisas em Políticas Públicas (NUPPs) da USP


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