Folha de S. Paulo


Proporção de cristãos nos EUA é a menor já registrada

A proporção de cristãos entre os adultos dos Estados Unidos caiu acentuadamente de 2007 para cá, o que afeta quase todas as grandes tradições e denominações do cristianismo no país e cruza linhas de idade, raça e religião, de acordo com uma extensa pesquisa do Pew Research Center.

Em 2014, 71% dos norte-americanos adultos se definiam como cristãos, a menor proporção já registrada em qualquer pesquisa com grande número de respondentes até hoje, e uma queda de cinco milhões de adultos e sete pontos percentuais desde uma pesquisa anterior do Pew sobre o assunto em 2007.

A parcela de cristãos na população dos EUA vem declinando há décadas, e o ritmo desse declínio acompanha ou até excede o das mais significativas tendências demográficas do país, como o crescimento da população hispânica. Além disso, a mudança não se confina às duas costas, às grandes cidades, aos jovens ou a outros grupos mais progressistas e laicos onde seria de esperar que ela se manifestasse.

John Taggart - 3.abr.2015/Efe
Cristãos seguram cruz durante procissão na ponte do Brooklyn, em Nova York
Cristãos seguram cruz durante procissão na ponte do Brooklyn, em Nova York

"O declínio está acontecendo em todas as regiões do país, incluindo o Bible Belt [a região em que o protestantismo evangélico é mais forte, no sudeste e centro-sul dos EUA]", disse Alan Cooperman, diretor de pesquisa religiosa do Pew Research Center e o autor primário do relatório.

O declínio foi propelido em parte pela mudança geracional, com a geração milênio, relativamente menos cristã, chegando à idade adulta e gradualmente substituindo os adultos mais velhos e mais cristãos. Mas também acontece porque muitas pessoas anteriormente cristãs, de todas as idades, agora fazem parte da categoria dos norte-americanos "sem afiliação religiosa", que responderam "nenhuma" quando questionados sobre sua religião; é uma categoria ampla que inclui ateus, agnósticos e pessoas que não são parte "de qualquer religião específica".

A pesquisa do Pew, que envolveu 35 mil adultos, oferece um panorama incomumente amplo sobre a religião nos EUA porque o Serviço de Recenseamento não faz perguntas sobre orientação religiosa aos cidadãos do país durante o censo. A maioria das demais pesquisas não governamentais tampouco entrevista adultos em número suficiente para permitir estimativas precisas, não faz outras perguntas detalhadas sobre religião ou não oferece levantamentos mais antigos que permitam comparação.

O relatório não oferece explicação para o declínio da população cristã, mas o baixo nível de afiliação ao cristianismo entre os mais jovens, as pessoas com melhor nível de educação e as pessoas mais afluentes é compatível com as teorias prevalecentes sobre a ascensão dos norte-americanos sem afiliação religiosa, como a politização da religião pelos conservadores do país, um afastamento amplo de todas as instituições e rótulos tradicionais, uma combinação de casamentos mais tardios e entre pessoas de diferentes denominações religiosas, e o desenvolvimento econômico.

No geral, as pessoas sem afiliação religiosa formam um grupo de 56 milhões de cidadãos, ou 23% da população adulta, ante 36 milhões e 16% em 2007, estima o Pew. Cerca de metade do crescimento vem dos ateus e agnósticos, cujo cômputo quase dobrou e agora atinge 7% dos adultos. As demais pessoas sem afiliação religiosa, aquelas que se descrevem como não tendo "religião específica", apresentam probabilidade menor de dizer que a religião é parte importante de suas vidas do que era o caso oito anos atrás.

As fileiras das pessoas sem afiliação religiosa foram engrossadas por antigos cristãos. Cerca de um quarto das pessoas que foram criadas como cristãos deixaram esse grupo, e ex-cristãos hoje representam 19% dos adultos.

O atrito foi mais forte entre as correntes tradicionais do protestantismo e os católicos romanos, que vêm caindo em números gerais e como parcela da população desde 2007. O declínio agudo na população católica, que caiu em cerca de três milhões de pessoas, pode ser um novo desdobramento. A maioria dos levantamentos apontava para uma parcela católica de população relativamente estável, nas últimas décadas, em medida considerável porque o número de católicos foi reforçado por imigrantes da América Latina.

Nem todas as religiões ou tradições cristãs caíram de maneira tão acentuada. O número de protestantes evangélicos registrou queda ligeira como porcentagem da população, de apenas 1%, e registra alta em números brutos. Religiões não cristãs como o judaísmo, o islamismo e o hinduísmo em geral se mantiveram firmes ou elevaram sua participação na população. No geral, as fés não cristãs representam 5,9% da população, ante 4,7% em 2007.

Os adultos mais jovens demonstraram propensão especial a aderir ao grupo dos norte-americanos sem afiliação religiosa, nos últimos anos. Em 2007, 25% das pessoas com 18 a 26 anos de idade se declararam não afiliadas; hoje, essa faixa etária apresenta 34% de pessoas sem afiliação religiosa.

Mas a parcela não afiliada da população vem crescendo também entre os norte-americanos mais velhos. A proporção cristã da população nascida antes de 1964 caiu em 2% desde 2007.

Existem poucos sinais de que haverá desaceleração no declínio da presença cristã nos EUA. Ainda que seja possível presumir que os jovens se tornarão mais religiosos à medida que envelheçam, os dados do Pew oferecem motivos para acreditar no contrário.

"Não é que as pessoas comecem não afiliadas e depois se tornem religiosas", disse Cooperman. "Na verdade, o contrário acontece".

Ao mesmo tempo, todas as novas faixas etárias mostram queda na afiliação religiosa ante as gerações anteriores; por exemplo, 36% dos integrantes mais jovens da geração milênio [os norte-americanos nascidos entre 1980 e 2000] não declaram afiliação religiosa, ante 34% dos integrantes mais velhos da mesma geração.

A mudança na composição religiosa dos EUA têm ramificações políticas e culturais amplas. Os conservadores e republicanos, por exemplo, tradicionalmente dependem de grandes margens de preferência entre os cristãos brancos para compensar seus deficit substanciais entre os eleitores laicos e minoritários. A queda na parcela branca da população é um desafio bem documentado à tradicional coalizão republicana, mas a dimensão religiosa dos desafios que o partido enfrenta recebeu menos atenção, talvez por conta da escassez de dados.

Na eleição presidencial de 2012, Mitt Romney recebeu 79% dos votos dos evangélicos brancos, 59% entre os católicos brancos, e 54% entre os protestantes brancos não evangélicos, mas apenas 33% entre os eleitores brancos não religiosos.

No entanto, outros observadores argumentam que a relação entre política e religião pode funcionar da maneira oposta. A queda no número de pessoas que se identificam como cristãs talvez resulte da reação política à associação entre cristandade e valores políticos conservadores.

"Agora essas duas coisas estão entrelaçadas", disse Mike Hout, professor de sociologia na Universidade de Nova York. "Não se pode usar uma delas para prever a outra, porque se os republicanos decidirem se concentrar mais em questões econômicas ou na imigração, talvez a ascensão dos não afiliados se reduza".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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