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Lobby venezuelano de oposição a Nicolás Maduro ganha força em Miami

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Em 2013, o corretor de imóveis Jesus L. morava no mesmo prédio que os sogros de um ministro do então presidente venezuelano, Hugo Chávez, numa área nobre de Caracas. Os parentes do ministro sabiam que Jesus era opositor, e isso gerava atritos.

Um dia, Jesus discutiu com seguranças da família, que o agrediram com uma garrafa de vidro e deixaram seu antebraço em carne viva.

"Deixei tudo para trás, fui para os EUA e virei asilado político", diz Jesus, 40, instalado em Miami, destino de cada vez mais venezuelanos.

Casos assim servem de munição para o movimento de exilados que colocou a Flórida na linha de frente da luta contra o chavismo, hoje dirigido por Nicolás Maduro.

O número de venezuelanos nos EUA passou de 91 mil em 2000 a 259 mil em 2012. O pico de chegadas, iniciado com a crise econômica de 2013, ainda não foi quantificado.

Abusos na Venezuela são catalogados por ativistas que ambicionam criar uma força política capaz de influenciar decisões em Washington, a exemplo do lobby cubano.

Os lobistas venezuelanos já reivindicam coautoria das pressões que resultaram nas primeiras sanções americanas contra chavistas.

As medidas, que vetam entrada e congelam bens nos EUA de funcionários acusados de abusos de direitos humanos e corrupção, foram impostas em março pelo presidente Barack Obama.

CARAVANA

No início de 2014, em meio a sangrentos confrontos entre governo e manifestantes na Venezuela, um projeto de lei republicano para permitir sanções a chavistas obteve amplo apoio no Congresso americano, mas emperrou em poderosas resistências.

Ernesto Ackerman, líder dos Cidadãos Venezuelanos-Americanos Independentes (IVAC, na sigla em inglês), entrou em ação: "Organizei uma caravana com centenas de venezuelanos até Washington. Lotamos o Senado e nos manifestamos na Casa Branca."

Na eleição legislativa de novembro, o IVAC ajudou a barrar a reeleição da senadora democrata Mary Landrieu, oposta às sanções.

Ackerman participou da operação de relações públicas que denunciou laços de Landrieu com uma petroleira venezuelana –um desastre para a campanha dela.

Em dezembro, sob nova legislatura, a lei foi aprovada e sancionada por Obama. Em março, ele declarou a Venezuela ameaça à segurança nacional e identificou os primeiros sete chavistas atingidos pela medida.

Ackerman quer mais punições ao governo venezuelano, que ignorou pedidos de entrevista da Folha. "Buscamos aumentar a lista dos sancionados, não um embargo à cubana", diz Ackerman, em referência ao bloqueio à ilha.

São justamente os imigrantes cubanos opostos à reaproximação entre Washington e Havana que mais apoiam o lobby venezuelano.

Um deles é o senador Marco Rubio, pré-candidato republicano à Presidência em 2016. Ele é próximo de Ackerman, mas também do primeiro venezuelano-americano eleito na Flórida, Luigi Boria.

Há, ainda, venezuelanos no Partido Democrata. Em 2012, 76% dos venezuelanos-americanos votaram em Obama, mas os republicanos são mais organizados.

"É inegável o aumento da influência da comunidade venezuelana. Eles até copatrocinam grandes eventos no círculo político", diz John Zogby, do instituto de pesquisa Zogby.

Editoria de arte/Folhapress

OUTRAS FACETAS

Criada há um ano, a ONG Justiça para a Democracia visa "informar a verdade aos que acham que a Venezuela é uma democracia", segundo sua fundadora, a advogada Maria Trina Burgos.

Outra ONG, Venezuelan Awareness Foundation, ampara pedidos de asilo de recém-chegados e envia relatórios a políticos.

A diretora, Patricia Andrade, diz que a mobilização levou os EUA a serem mais generosos. Segundo a ONG, 70% dos pedidos hoje são aprovados, ante 35% em 2002.

Jornais e canais de TV venezuelanos que proliferam em Miami ajudam a mobilizar os que não se interessam por política.

Mas a oposição no exterior carrega o mesmo racha doméstico: radicais exigem a queda de Maduro; moderados querem eleições limpas.

Outra fraqueza é a dependência cubana. "Os venezuelanos só se tornarão uma grande força nos EUA se os cubanos acharem que podem ganhar com isso", diz Peter Hakim, do centro de estudos Diálogo Interamericano.


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