Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Novo governo do Reino Unido pode ser semelhante ao do Brasil

Adrian Dennis/Associated Press
O premiê britânico e líder do Partido Conservador, David Cameron, faz discurso antes das eleições
O premiê britânico e líder do Partido Conservador, David Cameron, faz discurso antes das eleições

Nesta quinta-feira (7), serão realizadas no Reino Unido eleições gerais para a nomeação de novos governo e primeiro-ministro.

Se por um lado é muito provável que este último provenha de um dos dois partidos que têm governado o pais desde há quase cem anos -Trabalhista ou Conservador-, por outro, a composição do governo se mostra muito mais incerta.

Para todo cientista político, o sistema parlamentar britânico constitui um caso à parte, com o exemplo paradigmático dos sistemas chamados de majoritários.

Assim, o sistema eleitoral estabelece que cada distrito elege apenas um deputado em um único turno. Desta forma, o candidato que recebeu o maior número de votos resulta eleito, mesmo sem ter maioria absoluta.

Este sistema foi gerado para produzir governos de um só partido, com maiorias fortes e estáveis no Parlamento, à custa da representatividade eleitoral.

O efeito majoritário revelou-se, na prática, particularmente eficiente nesta tarefa, visto que o país experimentou em sua história somente dois casos de governos minoritários (1974-1976 e 1976-1979).

Este modelo era considerado tão eficaz que se tornou referência para os defensores da adoção do parlamentarismo no Brasil, no plebiscito de 1993.

No entanto, o referido sistema entrou recentemente em crise, e não parece mais capaz de cumprir com a sua missão.

Nas eleições de 2010, o Reino Unido conheceu o primeiro governo de coalizão da sua história em período de paz. Os conservadores, sob a liderança de David Cameron, formaram uma aliança surpreendente com os liberais democratas (LibDems), ideologicamente mais próximos aos trabalhistas.

Como as pesquisas de opinião têm apontado que nenhum partido conseguirá a maioria, tudo indica que um cenário semelhante vá se produzir de novo nesta quinta, desta vez com um elemento distinto e inédito: nunca houve tantos partidos com possibilidades de entrar no Parlamento de Westminster.

Até sete partidos poderiam ter representação parlamentar, o que dificultaria, a exemplo do caso brasileiro, a possibilidade de obter uma maioria para governar, multiplicando os possíveis cenários.

A tarefa parece particularmente complicada para os conservadores.

À exceção do discurso abertamente xenófobo, o partido compartilha muitas temáticas com o populista Ukip, como sua posição eurocética e o corte neoliberal da economia.

Por isso, ambos disputam um eleitorado parecido, essencialmente no sudeste do país. Mas, devido ao sistema eleitoral, o Ukip não deveria conseguir eleger muitos candidatos, apesar de contar com 17% das intenções de votos.

Contudo, os LibDems, que saíram muito enfraquecidos da experiência de governo com os conservadores, recusam-se a formar um governo com o Ukip. Isso dificulta mais ainda a possibilidade de contar com uma maioria parlamentar.

Já os trabalhistas enfrentam uma situação parecida. Ideologicamente, estão muito próximos (à esquerda) aos nacionalistas escoceses (SNP).

No entanto, as reivindicações destes para uma maior autonomia da Escócia (mesmo após a derrota separatista no referendo de 2014), torna muito difícil a possibilidade de formar um governo credível.

De fato, o líder trabalhista, Ed Miliband, repetiu publicamente que não formaria um governo de coalizão com o SNP. Porém, uma aliança com o SNP parece indispensável para os trabalhistas na obtenção de uma maioria, pois as enquetes de opinião lhe dão entre 40 e 50 assentos na Câmara.

Os parlamentares escoceses serão, de fato, imprescindíveis para os trabalhistas.

Mesmo assim, uma coalizão entre os trabalhistas e o SNP não parece suficiente para conseguir uma maioria, que deverá contar com os "nanicos" verdes e nacionalistas galeses e norte-irlandeses, que têm uma chance de conseguir um certo número, reduzido, de parlamentares.

Assim, o próximo governo britânico tem muitas probabilidades de se parecer com o brasileiro em termos da variedade da sua composição.

Isso tornará o governo provavelmente mais frágil e instável. Caso nenhum partido consiga formar uma coalizão majoritária estável, isso levaria à formação de um governo minoritário, ainda mais instável neste contexto.

ADRIÁN ALBALA é doutor em ciência política e pesquisador do Núcleo de Pesquisas em Políticas Públicas da USP


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