Folha de S. Paulo


Mulher de opositor espera declaração contundente de Dilma contra Maduro

"Um pronunciamento claro e contundente da presidente Dilma sobre a violação sistemática dos direitos humanos e a crise na Venezuela". Isso é o que espera Lilian Tintori, 37, mulher do oposicionista venezuelano Leopoldo López, que está preso desde fevereiro de 2014, acusado de incitar manifestações violentas.

"Esperamos que a presidente Dilma peça a libertação dos 89 presos políticos na Venezuela, que cesse a repressão, e que ela envie observadores qualificados para as próximas eleições parlamentares", disse Tintori à Folha.

Eduardo Knapp/Folhapress
Lilian Tintori, 37, em entrevista à Folha no hotel Reinaissance, durante a viagem a São Paulo
Lilian Tintori, 37, em entrevista à Folha no hotel Reinaissance, durante a viagem a São Paulo

Ela está no Brasil com Mitzy Capriles, mulher de Antonio Ledezma, prefeito de Caracas que foi preso em fevereiro, acusado de tramar um golpe contra o presidente Nicolás Maduro.

As duas se reuniram na terça (5) com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e com o governador Geraldo Alckmin. Fernando Henrique se uniu a um grupo de ex-presidentes pedindo a libertação dos presos políticos na Venezuela.

Na quinta (7) elas vão falar na Comissão de Relações Exteriores do Senado, a convite do senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), e se reunir com o senador Aécio Neves (PSDB-MG). Pediram para se encontrar com Dilma, mas não obtiveram resposta.

Lopez, líder do partido Vontade Popular, foi prefeito de Chacao, parte da Grande Caracas, e agora está em uma cela de 2m x 2m no presídio Ramo Verde, em isolamento. Abaixo, trechos da entrevista exclusiva que Tintori, ex-campeã nacional de kitesurf e apresentadora de TV, concedeu à Folha.

*

Vocês estão se reunindo apenas com políticos de oposição no Brasil. O que você espera do governo de Dilma?

Esperamos um pronunciamento claro e contundente da presidente Dilma sobre a violação sistemática dos direitos humanos e a crise humanitária na Venezuela.

Esperamos que a presidente peça a libertação dos 89 presos políticos na Venezuela, que cesse a repressão, e que ela envie observadores qualificados para as próximas eleições parlamentares [devem ocorrer no segundo semestre].

Temos uma grande esperança no Brasil porque em abril, na Cúpula das Américas, a presidente foi muito clara e falou da libertação de presos políticos da Venezuela. Essas palavras foram uma grande esperança e por isso viemos ao Brasil.

Mas ainda durante a Cúpula das Américas o governo brasileiro desmentiu que Dilma tivesse defendido a libertação dos opositores na Venezuela. Na realidade, ela afirmou, durante a entrevista à CNN: "Não achamos que a relação melhor com a oposição seja encarcerar quem quer que seja, a não ser se a pessoa cometeu o crime, se a pessoa não cometeu crime, não pode ser encarcerada "; mas fez a ressalva: "As questões relativas à questão interna da Venezuela, eu não posso entrar, é uma questão de respeito à autodeterminação deles."

Eu assisti ao vivo na CNN, escutei ela dizer, ela falava da situação venezuelana. Mas eu sou uma venezuelana, mulher, mãe, e nós, 30 milhões de venezuelanos, esperamos um pronunciamento mais enfático da presidente Dilma e apoio.

Quando um país tem uma crise econômica, social, política tão profunda como a Venezuela hoje –ano passado houve 25 mil mortes por violência, 97% de impunidade, 74% de inflação, mais de 44 mortos por protestar pacificamente [a contagem oficial é de 43]– essa crise é muito grande, porque mais de 80% dos venezuelanos querem mudança e não apoiam a gestão de Maduro.

Só sobra uma elite corrupta, Maduro e sua equipe, que reprimem e prendem quem pensa diferente, para eliminar a oposição. Na democracia, é válido ter oposição. O sistema que temos hoje na Venezuela é totalitário, anti-democrático.

Leopoldo está preso há um ano e três meses por ter denunciado que o governo de Maduro é antidemocrático e ineficiente. Ele propõe uma solução constitucional e pacífica para esta crise - há cinco vias diferentes para a saída de um governo que não funciona.

Você vai se encontrar com alguém do governo brasileiro, não da oposição?

Estamos esperando a resposta de pedidos para encontrar a presidente Dilma. Ontem nos recebeu o governador de São Paulo...

Mas ele é da oposição...a oposição abraçou o tema e está pressionando o governo...

Nossa visita não é política, é pelos direitos humanos. Maduro, responsável pelas violações, não acatou recomendações internacionais.

A Unasul já emitiu comunicados sobre a crise venezuelana?

Precisamos de mais. Unasul foi duas vezes à Venezuela e nós agradecemos, estamos em contato com a Unasul, mas falta mais. A ONU, por exemplo, se pronunciou quatro vezes, sobre as detenções arbitrárias de Leopoldo Lopez e Daniel Ceballos, sobre as torturas, fizeram relatórios.

É parte das tarefas da Unasul garantir que não se violem direitos humanos como se violam na Venezuela hoje. Queremos só que a Unasul se una a entidades como a ONU.

O governo brasileiro diz que está trabalhando nos bastidores, de forma privada, para conter a crise política venezuelana. Dizem que é mais eficiente do que condenar publicamente uma situação....

Isso não funciona quando há uma violação sistemática de direitos humanos em um país como a Venezuela. Os pronunciamentos devem ser públicos, notórios e precisos. E não pode haver dois pesos e duas medidas. Isso aprendi no Chile.

Se você está defendendo os direitos humanos, por que fazer em uma reunião privada? Deveria ser uma honra pedir proteção aos direitos humanos. E os países democráticos do mundo têm uma grande responsabilidade.

Na terça-feira (5) você e Mitzy Capriles, esposa de Antonio Ledezma, estiveram com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Como foi?

Foi muito bom. Fernando Henrique é um homem que conhece a realidade venezuelana, está preocupado com o que está passando e conhece Leopoldo López e a luta dele. E nos deu uma mensagem de apoio. E isso nos dá muito orgulho que um presidente tão importante e admirado como Cardoso nos apoie e reconheça o valor dos venezuelanos hoje em dia.

Quando FHC vai para a Venezuela?

Esperamos que ele nos visite, fizemos um convite formal ontem. É muito importante que FH venha e sinta e veja com seus próprios olhos as filas, a escassez de alimentos, como militarizaram a venezuela. Um presidente com a trajetória que tem FHC para nós é muito importante que veja o que está acontecendo lá.

Ele deve ir dia 17, 18 de maio?

Não nos confirmou.

Ele vai junto com Felipe González [ex-presidente de governo espanhol, que propôs uma mediação para libertar os presos venezuelanos]?

Não sei.

Está confirmado que González vai representar Leopoldo no tribunal, como advogado?

O tribunal não quer deixar González atuar e Maduro não quer deixá-lo entrar na Venezuela. Olha como é grave, ele visitou presos políticos na ditadura de Pinochet, e agora Maduro não o deixa entrar. Não quer deixar que as pessoas vejam a realidade venezuelana.

Você vai se encontrar com o senador Aécio Neves amanhã?

Sim. Quero dar a ele números atualizados sobre mortos, roubos e sequestros na Venezuela. E eu o convidarei a visitar a Venezuela. Leopoldo López continua preso no isolamento, em uma cela 2m por 2m, sem visitas minhas, a última vez que o vi faz 3 semanas.

De 1 ano e 3 meses que ele está preso, ficou em cela castigo, isolado, por sete meses e uma semana. Sem ver o sol, sem ligar para familiares. Não o deixam conversar nem com o carcereiro. E ele gosta muito de ler, agora não o deixam mais eu levar livros.

Querem nos pressionar para que paremos de falar e que eu pare de viajar. Nós acreditamos no perdão e reconciliação, mas só recebemos ataque e ódio de Maduro. Os problemas nos uniram, chavistas e não chavistas, nas filas das farmácias e supermercados...queremos que haja remédios, leite para os bebês, papel higiênico...

Entre os chefes de Estado, quem a recebeu, além do presidente de governo espanhol, Mariano Rajoy?

O Congresso do Canadá, o vice-presidente americano Joe Biden, o chanceler do Peru e o chanceler do Chile.

Seria razoável esperar ser recebida pelo chanceler brasileiro, Mauro Vieira?

Claro. Algum representante do governo precisa ouvir o que está acontecendo no nosso país e como é grave a situação.

O que você acha das sanções que os EUA impuseram contra funcionários do governo venezuelano?

Cada país tem suas regras e seguem suas legalidades quando vê uma violação sistemática de direitos humanos em outro país. Mas são sanções individuais, e não ao país. A Venezuela não é uma ameaça.

O ex-candidato à Presidência Henrique Capriles divergia publicamente de Leopoldo López. Capriles queria uma solução negociada com o governo, enquanto López defendia vias mais radicais. Capriles visitou Leopoldo na prisão?

Não.

Participou das marchas pela libertação de López?

Não.

Eles conversaram?

Não.

Mas não é necessário haver uma união da oposição?

A oposição está unida. Eu e Mitzy representamos a MUD neste trabalho internacional. O partido de Capriles é parte da MUD. A oposição está cada vez mais unida. O governo venezuelano vem tentando dividir a oposição, vem tentando há muitos anos. Mas 80% dos venezuelanos querem mudança –nos opomos a que nos roubem, nos matem, e que não tenhamos remédios para comprar...

Quais as próximas etapas do processo legal contra López?

Em maio a juíza tem a ordem de Maduro de condená-lo, a dez anos, mas não há nenhum testemunho que o incrimine. Queremos que Felipe González entre na sala de audiência e veja como é arbitrário e como a juíza está sendo pressionada por Maduro a condenar Leopoldo López mesmo sem provas. Se nada mudar, ele ficará preso por dez anos.

O que se pode fazer para mudar isso?

Declarações muito contundentes dos governos das regiões contra isso. O que estamos pedindo não é ingerência. Em direitos humanos, não há fronteiras. E em uma crise tão séria como a da Venezuela, o país precisa de ajuda da região.


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